O PSDB confirma nesta quarta-feira, 27, em evento em Brasília, o retorno do deputado Aécio Neves (MG) à presidência nacional do partido após oito anos, substituindo Marconi Perillo, ex-governador de Goiás.
No período em que dirigiu o tucanato, o mineiro chegou perto da Presidência da República. Sua volta ao cargo, no entanto, se dá em um contexto de busca de reconstrução da sigla e de sua própria trajetória política, como relata a IstoÉ neste texto.
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O projeto presidencial
Governador de Minas Gerais por dois mandatos, entre 2003 e 2010, Aécio teve de assumir a presidência do partido, em 2013, para romper o “revezamento” entre lideranças paulistas — os ex-governadores José Serra e Geraldo Alckmin — na tentativa de levar o PSDB novamente à Presidência da República, onde esteve, com Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2002.
Serra e Alckmin foram derrotados por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), duas vezes, e Dilma Rousseff (PT) nos anos seguintes. Com o comando da sigla, o mineiro conseguiu abrir caminho e se colocar como principal nome da oposição para barrar a reeleição de Dilma — desde a década de 1990, a polarização nas disputas presidenciais se limitava a PT e PSDB.
Aécio e José Serra, então senadores: mineiro precisou chefiar partido para desbancar paulistas e assegurar candidatura presidencial
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Mesmo com rachas internos conhecidos, Aécio garantiu certo consenso para enfrentar a petista, em 2014, em um contexto inicial da Operação Lava Jato, que investigava esquemas de corrupção na Petrobras, recessão econômica e o rescaldo dos protestos de junho de 2013, que mobilizaram a classe média contra o governo federal.
Depois de um primeiro turno agressivo de lado a lado, a petista e o tucano travaram a disputa mais acirrada da democracia brasileira até ali — seria superada por Lula versus Bolsonaro, em 2022: Aécio venceu em 13 das 27 unidades da federação e conquistou 48,36% dos votos no segundo turno, 3,4 milhões a menos do que a oponente. Derrotado, o mineiro sugeriu fraude e pediu recontagem dos votos — discurso que cresceu definitivamente em grupos radicais nos anos seguintes.
“Mesmo com uma trajetória longa no partido, Aécio nunca compartilhou dos valores de social-democracia das lideranças históricas do partido e consolidou uma perspectiva de PSDB à centro-direita. O não-reconhecimento do resultado das urnas explicitou isso”, disse à IstoÉ Soraia Marcelino Vieira, professora de ciência política da UFF (Universidade Federal Fluminense) e autora de “O Partido da Social Democracia Brasileira: trajetória e ideologia”.
Ostracismo na ‘antipolítica’
Mesmo com discurso errático, Aécio saiu da eleição com o melhor resultado do PSDB desde FHC e, com vaga no Senado Federal, observava a rejeição ao governo Dilma se elevar com o agravamento da recessão econômica e as dificuldades na relação com o Congresso.
Em abril de 2018, com Dilma fora e Michel Temer (MDB) na cadeira presidencial, o tucano virou réu no STF (Supremo Tribunal Federal) após ser denunciado pela Lava Jato por suspeitas de corrupção e obstrução da Justiça, com base na delação dos empresários Joesley e Wesley Batista.
A suspeita — afastada no tribunal — era uma mácula difícil de superar no auge do discurso contrário à corrupção e às vésperas da eleição de 2018. Para Felipe Nunes e Thomas Traumann, autores de “Biografia do Abismo” (HarperCollins Brasil, 2023), o contexto gestou uma crise de legitimidade crucial para transferir o eleitorado tradicionalmente antipetista do PSDB para um “candidato antipolítica”.
“É nesse contexto que o centro político explode, fragmenta-se, e Bolsonaro aparece como alternativa mais viável eleitoralmente para aplacar a raiva contra a política. A eleição de 2018 é o ponto de inflexão para a transformação da polarização partidária em um fenômeno mais extremado, no qual o radicalismo começou a transbordar para o cotidiano”, escreveram os pesquisadores.

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Naquele ano, o partido teve seu pior resultado da história das eleições presidenciais com Geraldo Alckmin (4,76% dos votos) e Aécio nem sequer concorreu à reeleição no Senado, elegendo-se deputado federal com votação tímida. Um capitão reformado com discurso contrário às instituições subiu a rampa do Palácio do Planalto.
Com Bolsonaro no poder e João Doria eleito governador de São Paulo, a perspectiva de um PSDB distante dos padrões conhecidos ganhou força. Em 2019, os dirigentes paulistas da sigla pediram a expulsão de Aécio em nome de uma “faxina ética”. A executiva nacional negou, mas a desfiguração estava posta.
Cenário devastado é propício para volta de Aécio
Hesitante entre adesão e oposição, o PSDB se esvaziou sob Bolsonaro e a ascensão da direita radical. Em 2022, passou de 29 para 13 deputados federais e fez apenas três governadores — a lista não incluiu São Paulo, agora nas mãos do ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), após 28 anos de comando tucano.
Já sem nomes históricos como Alckmin (agora no PSB e vice-presidente de Lula), nas eleições de 2024, conquistou 269 prefeituras e, na capital paulista, o neofiliado José Luiz Datena deu uma cadeirada em Pablo Marçal (PRTB) durante um debate e terminou com menos de 2% dos votos. As negociações para se fundir ao Podemos e salvar a própria pele, por sua vez, foram frustradas — o financiamento público e a propaganda eleitoral são distribuídos aos partidos de acordo com suas bancadas na Câmara dos Deputados.
Nos últimos meses, os três governadores eleitos em 2022 debandaram. Primeiro foi Raquel Lyra, de Pernambuco, que rumou ao PSD para se aproximar do governo federal em um estado de maioria lulista. Em seguida Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, também em direção ao partido de Gilberto Kassab, em busca de viabilizar a própria candidatura à Presidência. Por último Eduardo Riedel, do Mato Grosso do Sul, que em movimento oposto ao da pernambucana foi para o PP para acenar à direita.
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Somadas, as saídas de lideranças históricas e jovens e a derrocada do projeto de João Doria — já fora da legenda — abriram caminho para que os veteranos remanescentes assumissem o comando do PSDB. Na presidência nacional desde novembro de 2023, Marconi Perillo buscou consolidar um discurso de oposição de centro-direita e reconfigurar a identidade tucana — ele deixa o cargo para investir na pré-candidatura ao governo de Goiás.
A estratégia deve seguir com Aécio, mas não é movida por pretensões presidenciais. Paulo Serra, ex-prefeito de Santo André e presidente do diretório tucano em São Paulo, disse à IstoÉ que o momento é de “pé no chão” e foco na “formação de chapas competitivas de deputados federais e estaduais”.
“O objetivo é eleger de 25 a 30 deputados federais para voltar a ter uma bancada relevante no Congresso e nos preparar para as próximas disputas. Temos a percepção de que 2026 ainda será uma disputa polarizada, mas os anos seguintes permitirão voltar a debater o Brasil, o que fortalece o PSDB, distante dos extremos”, afirmou Serra, que classificou a transição de poder interna como “natural”.
Para Soraia Marcelino, a crise de representação tucana é propícia para a volta de Aécio ao comando partidário. “Recorrer a um quadro histórico, identificado e com cargos relevantes no currículo demonstra um esforço de reposicionamento”, afirmou.