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Brasil retoma apoio à expansão agrícola no continente africano
Brasil retoma apoio à expansão agrícola no continente africano
Por Administrador
Publicado em 03/10/2025 11:37
Fome
Transferência de conhecimentos e de recursos para desenvolver a produção de alimentos nos países africanos coloca atuação da Embrapa em rota de colisão com ambientalistas e gera críticas do agronegócio

Com 60% das áreas agricultáveis ainda disponíveis no planeta, a África concentra tanto o maior potencial de expansão agrícola do mundo quanto os mais complexos entraves para viabilizá-lo. O continente, historicamente marcado pela fome e pela dependência externa, está no centro do debate global sobre como alimentar as 10 bilhões de pessoas previstas para habitar a Terra em 2050.

De acordo com o African Development Bank Group (AfDB), o estoque de terras agricultáveis na África transformou o continente em aposta estratégica para enfrentar a crise alimentar que se desenha nas próximas décadas. Mas transformar essa promessa em realidade exige mais do que solo fértil: envolve juventude desempregada, conflitos territoriais, fragilidades institucionais, dependência tecnológica e os dilemas ambientais de um modelo de produção que não pode repetir erros cometidos em outras regiões.

Apesar da abundância de terras, 20% da população africana convive com a fome, e a maioria dos países ainda depende de importações para suprir demandas básicas. Estimativas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) apontam que cerca de 80% do trigo e do arroz consumidos no continente africano são importados, o que representa gastos anuais da ordem de US$ 70 bilhões – recursos que poderiam ser revertidos em infraestrutura agrícola, capacitação de produtores e fortalecimento da segurança alimentar interna.

Nesse tabuleiro, o Brasil voltou a figurar como ator relevante. Após quase uma década sem presença efetiva, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) reabriu, neste ano, um escritório na Etiópia. “O conhecimento da Embrapa é apontado como fundamental, uma vez que Brasil e países daquele continente possuem condições semelhantes”, destacou Gabriel Delgado, diretor do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), ao assinar acordo de cooperação.

As ações da Embrapa, empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária, que cravou uma bandeira brasileira no continente ainda no início dos anos 2000, vão do compartilhamento de ensinos básicos aos mais avançados resultados de suas pesquisas. “Além de pesquisa e tecnologia, foi necessário treinar pessoas em práticas elementares, como espaçamento de sementes, adubação e manutenção da cobertura vegetal entre safras. Não bastava introduzir novas variedades se o manejo não estivesse consolidado”, relata Paulo Galerani, pesquisador da instituição que atuou três anos em Gana.

Entre a diplomacia da cooperação e a pressão por resultados internos, a Embrapa caminha sobre uma linha delicada. De um lado, colhe prestígio internacional ao compartilhar com a África o know-how brasileiro em agricultura tropical. De outro, enfrenta cobranças cada vez maiores de produtores e parlamentares, os quais exigem que a prioridade seja a competitividade da produção nacional.

Danos ambientais e povos originários

Em países africanos, especialmente no cinturão tropical do continente, a Embrapa desenvolveu parcerias para adaptação de tecnologias agrícolas nos mesmos moldes do que já foi feito em território nacional. A partir da década de 1970, o Brasil começou a transformar o cerrado em uma das áreas agrícolas mais produtivas do mundo. O custo, porém, foi alto e irreparável: a devastação do bioma do Cerrado.

Levar essa experiência ao continente africano teve efeito contrário ao esperado. Ao invés de animar as comunidades locais, revoltou entidades ambientais e lideranças comunitárias. Ao fim, porém, o (mau) exemplo da conversão da diversidade e riqueza natural do cerrado em um “deserto verde” impediu que o mesmo ocorresse com a savana africana.

Projetos como o ProSavana, em Moçambique, enfrentaram resistência de comunidades locais e ONGs internacionais, que alertam para riscos de desmatamento, desapropriação de terras e concentração econômica em grandes corporações. As lições do Cerrado brasileiro – crescimento produtivo, acompanhado de perda de biodiversidade – funcionam como alerta para a África Subsaariana.

O temor inclui o fato de que os investimentos agrícolas estão se expandindo por meio de corporações, as quais adquirem grandes áreas de terras para plantio de grãos, avançando também sobre florestas. Como resultado, alegam moradores da região e outros críticos que a destruição ecológica estaria aumentando a favor do sistema de produção de monoculturas de grande escala.

Em Moçambique, a União Nacional de Camponeses mobilizou-se e conseguiu frear o projeto, ao menos como sinal de alerta, para que fosse repensado. Em documento emitido pela entidade contra a implantação do modelo do Cerrado brasileiro, as contrariedades incluíam temas como desapropriação de terras, o crescimento econômico concentrado em grandes corporações e produtores, a monocultura e o avanço sobre florestas e o bioma local, além do impacto sobre antigos povos originários do continente.

O que dizem os defensores

A presença da Embrapa na África representa um projeto estratégico de diplomacia científica e de integração Sul-Sul, segundo os defensores desse projeto de cooperação.

Além de fortalecer a imagem internacional do Brasil, cria oportunidades para empresas nacionais, que podem fornecer insumos, maquinário e conhecimento adaptado às condições tropicais, abrindo portas também para exportações de equipamentos, sementes e defensivos.

A cooperação fortalece o soft power brasileiro, mostrando o país como parceiro relevante em segurança alimentar mundial.

O trabalho em solos e climas africanos permite testar e aperfeiçoar tecnologias brasileiras, muitas vezes aplicáveis ao semiárido nordestino e a outras regiões desafiadoras.

Compartilhar conhecimento com países de clima semelhante permite validar tecnologias em condições diversas e ampliar o alcance das inovações agrícolas brasileiras.

A adaptação da agricultura africana ao modelo tropical pode abrir mercados relevantes para fabricantes de tratores, colheitadeiras e implementos brasileiros, fortalecendo a indústria nacional de máquinas agrícolas, além de insumos como sementes e fertilizantes.

Os argumentos dos críticos

Se no plano diplomático a cooperação projeta o Brasil como referência internacional, internamente há questionamentos. Produtores e entidades, como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) – assim como senadores da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) –, cobram clareza sobre prioridades: até que ponto investir em projetos africanos pode comprometer recursos que deveriam estar voltados à agricultura nacional? Vale lembrar que a monocultura levou à devastação do Cerrado.

A Embrapa enfrenta restrições financeiras. Em 2023, a estatal registrou déficit anual de cerca de R$ 200 milhões e precisou cortar custos e frear novos projetos.

A própria Embrapa reconhece essa restrição e admitiu que convites de cooperação internacional precisam ser recusados por falta de orçamento.

Em 2024, a instituição solicitou R$ 520 milhões para pesquisa e inovação – 50% acima do ano anterior –, valor considerado insuficiente para atender às demandas internas e externas.

A Aprosoja segue a mesma linha: em artigo publicado em 2023, a entidade questionou se “produzir alimentos na África dará retorno ao Brasil”, apontando que os ganhos de imagem diplomática não compensariam o risco de criar futuros competidores.

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