Primeira família cascavelense se deparou com índios ao chegar
Opinião
Publicado em 09/09/2024

Alceu A. Sperança

 

Em 1921, com a transferência de terras pertencentes à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande do Sul à sua sucessora Braviaco, esta se comprometeu a atrair colonos para áreas despovoadas no Oeste, cujo aproveitamento se limitava à coleta de erva-mate e contrabando de madeira.

Entre Catanduvas e Foz do Iguaçu havia só um lugar parecido com uma vila: o Depósito Central da companhia ervateira Domingo Barthe, atualmente Santa Tereza do Oeste. Até o pouso ervateiro Cascavel Velho estava abandonado de longo tempo.

A Braviaco vendeu a Antônio José Elias, o Antônio Diogo, patriarca da primeira família a se fixar na região, áreas ao redor da Encruzilhada dos Gomes, local onde em 1930 terá início a futura cidade de Cascavel.

Nem os viajantes em trânsito nem essa primeira família tiveram interesse em se fixar naquele cruzamento, descrito como um brejo cercado por intenso barulho de sapos e feras rondando.

Elias, na primavera de 1922, ainda não veio. Seu cunhado, Ernesto de Oliveira Schiels, foi quem partiu da vila de Cantagalo em fins de agosto com a família, parentes, amigos e uma carroça carregada de mudanças.

A pequena caravana veio formada por oito pessoas, dez porcos, quatro cavalos e meia dúzia de vacas.

 

Ninguém deu valor à Encruzilhada

Vieram Ernesto, a esposa Laurentina, dois filhos ainda de colo - Joaquim maiorzinho e Maria Francisca -, um irmão de Ernesto, acompanhado pela esposa, e "dois camaradas contratados para ajudar nos serviços", um deles João Maria Diogo, irmão de Antônio José Elias, que no dia da chegada completou 19 anos.

Era em 8 de setembro de 1922.

Mesmo penosa, a marcha da carroça carregada teve a facilidade da estrada em melhores condições, com trânsito antes somente possível aos cargueiros. Até 1920, nem as carroças conseguiam passar por conta das más condições da antiga Estrada Estratégica.

A área da Encruzilhada pertencia à família Elias/Schiels, portanto, mas ela não se estabeleceu nesse local ao chegar, por não ser conveniente.

A primeira lembrança que Laurentina gravou da passagem pela Encruzilhada nesse dia é que lá havia "acampamentos de índios paraguaios", mensus transportando erva-mate para o Rio Paraná.

Os Schiels escolheram para moradia o melhor local da área adquirida pelo patriarca Antônio José Elias, o Antônio Diogo: o antigo pouso ervateiro desativado junto ao Rio Cascavel - o Cascavel Velho.

 

Só dois ranchos de sapê

A propriedade, entre 1922 e 1924, tinha ranchos muito humildes, de sapê. Eram dois, para moradia e paiol. A família ocupou os dois lados do rio - os Schiels de um lado e os Elias do outro.

Foi em novembro de 1923 que José Silvério de Silvério travou seu primeiro contato com Elias, que lhe cedeu o banhado da Encruzilhada dos Gomes. Os parentes de Silvério começaram a plantar milho e criar animais por ali, ainda sem fixar moradia.

Era o safrismo: a combinação entre a produção de milho e a criação de suínos. O regime de moradia não era fixo, baseado em acampamentos, de acordo ainda com as regras impostas aos mensus na coleta de erva-mate.

Chega 1924. Para a família Elias-Schiels, no Cascavel Velho, as notícias da "guerra", como o movimento foi chamado pelos sertanejos, eram de que os governistas venceriam.

O Regimento de Cavalaria Provisório, composto por uma força mista de Exército, Polícia Militar e voluntários, seguindo para Guaíra, passou pelo Depósito Central Barthe, deslocando-se até a Picada do Benjamim (Céu Azul), de onde seguiu ao Rio Paraná.

Antônio José Elias recebeu a notícia de que os revolucionários estavam chegando, mas se recusou a deixar o Cascavel Velho. Informado de que o Governo Federal tinha tomado precauções para sustar o avanço revolucionário e certo da iminente vitória dos governistas, Elias não quis abandonar a lavoura nem os animais de criação.

 

O misterioso jagunço

No início de agosto de 1924, porém, as forças leais ao governo foram derrotadas no Rio Paraná e Elias logo foi surpreendido pela coluna revolucionária que veio acampar justamente em sua propriedade, pela presença de víveres.

Como Antônio Elias ajudara os governistas em sua passagem, a família passou muito medo quando quem apareceu foram os revolucionários e não os militares do governo para lhes dar proteção.

"Um dia chegou um revoltoso em nossos ranchos. Rondava a gente e usava um lenço vermelho no pescoço. Depois vieram outros jagunços de sua turma. Tivemos que nos trancar dentro de nossos ranchos, vendo pelas frestas eles arrancarem o nosso feijão. Nossa sorte foi ter um pouco de alimento estocado em nossas casas, pois eles comeram todo o feijão, mataram porcos e até vacas para se alimentarem. Depois eles souberam que os inimigos, legalistas, iriam chegar no acampamento deles e fugiram temerosos" (Laurentina Lopes Schiels, entrevista ao jornal O Paraná, 27/12/1990, https://bit.ly/3PBubLJ).

"Só mesmo o primeiro jagunço permaneceu no local. Fez amizade com a gente e viveu mais dois anos em nosso quintal. Durante estes anos outros revoltosos e legalistas acamparam ali. Quando uma gangue estava para chegar, a outra partia".

O "primeiro jagunço" era Eduardo Agostini, um dos pioneiros da formação da cidade de Santa Tereza.

A cidade de Cascavel, por sua vez, começou a se formar só em março de 1930, em torno do Marco Zero, assinalado pelo monumento da Praça Getúlio Vargas. Laurentina era irmã de Aníbal Lopes, agente dos Correios ligado a várias famílias pioneiras da região.

(Nota: A ilustração mostra Laurentina Lopes Schiels, fotografada em 1990 por Jackson Piaia/O Paraná, e o mapa de 1922, quando ela chegou: o único povoado entre Catanduvas e Foz do Iguaçu era a Central Barthe, atual Santa Tereza do Oeste)

 

Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br

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