Gestão escolar: como diagnosticar as necessidades formativas dos professores
EDUCAÇÃO
Publicado em 04/03/2024

Escutar, observar e conhecer a realidade da equipe docente é fundamental para engajar os educadores e identificar temas que irão ajudá-los a lidar com os desafios de 2023

No começo do ano letivo, além do diagnóstico dos estudantes, é fundamental que os gestores escolares façam o levantamento das necessidades formativas dos professores. Com essas informações em mãos, o Projeto Político Pedagógico (PPP) atualizado e o planejamento anual, é possível organizar encontros formativos que vão apoiar o corpo docente ao longo de 2024, considerando especialmente que os efeitos da pandemia de Covid-19 ainda pairam sobre a Educação.

“Esse diagnóstico é importante porque ajudará os professores a enfrentar desafios concretos, construindo conhecimentos na prática. O diretor e o coordenador pedagógico, juntos, têm a responsabilidade de promover esse levantamento”, afirma Sonia Guaraldo, consultora pedagógica e especialista em formação continuada no Instituto Gesto. 

Mas como fazer isso e por onde começar?

Não há diagnóstico sem escuta

Sonia explica que, na prática, o que acontece na maioria das vezes é que os gestores, ou a própria Secretaria de Educação, definem temas de formação que são coletados com base nos resultados de avaliações. Olhar para o que os alunos têm dificuldades e entender os desafios do professor de ensinar aquele tema é indispensável para planejar pautas formativas. Por outro lado, a especialista defende que a gestão não deve se limitar a apenas essa estratégia.

“Nem sempre os dados de avaliações são suficientes para entender realmente o que os professores não sabem e no que precisam avançar. Então é crucial, primeiramente, ouvi-los”, diz. Além disso, há o aspecto do engajamento. “Os professores precisam reconhecer suas dificuldades, participar das escolhas [dos temas] e manifestar o que não sabem. É necessário que isso seja verbalizado por eles. A escuta é um ponto crucial para que se engajem e vejam sentido na formação que estão fazendo.”

É isso o que acontece na ETI Prefeito João Lyra Filho, em Caruaru (PE), onde o diálogo constante com a equipe é determinante para detectar fragilidades no dia a dia dos professores. Ana Carla Farias, coordenadora pedagógica das turmas de 8º e 9º anos, conta que as necessidades formativas são identificadas, inicialmente, nos encontros semanais do grupo. “Nessas reuniões, nós dialogamos e buscamos entender, com muita escuta, quais são as dificuldades dos professores. A partir disso, tentamos ao máximo trazer temáticas para serem trabalhadas e fazer com que esses momentos sejam, de fato, formativos e de troca de aprendizagens”, destaca.
O corpo docente conta também com o programa de ação do professor, um documento que faz parte das iniciativas da Escola da Escolhamodelo de educação integral idealizado pelo Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE) e seguido pela escola. Nele, os educadores têm um espaço para descrever quais competências precisam desenvolver e em que necessitam se aprofundar no decorrer do ano. Posteriormente, a coordenação visita esses documentos para buscar informações que ajudarão na construção de uma pauta formativa que atenda ao máximo as necessidades sinalizadas. 

Flávia Beani Biani, coordenadora pedagógica dos Anos Inicias do Ensino Fundamental na EE Alfredo Paulino, em São Paulo (SP), acrescenta que, para além dos encontros com a equipe, muitas vezes é preciso uma conversa individual para identificar os temas que podem contribuir para a formação dos professoresEnquanto gestores, precisamos conhecer o grupo para saber do que eles estão precisando mais em determinado momento. O coordenador tem de ter essa sensibilidade em relação a cada pessoa para poder fazer as intervenções necessárias. Muitas vezes a conversa deve ser individual justamente para chegar mais perto da vivência do professor.”

Observar para coletar informações 

Ouvir os professores, no entanto, não se resume a apenas fazer uma pergunta e eles responderem o que querem para a formação, mas também estar atento às necessidades dos educadores. É preciso observar, por exemplo, as dificuldades que vão aparecendo no planejamento, em situações na sala de aula, no cotidiano da escola e o que eles manifestam durante as conversas. 

“A percepção da gestão escolar é extremamente importante para refinar o levantamento. Senão a gente elabora uma lista, coleta informações dos professores e faz um cronograma quando, antes de qualquer coisa, é preciso um olhar sensível para conseguir ler as dificuldades”, aponta Sonia. “Isso porque muitas vezes os próprios professores não vão ter muita clareza de como manifestá-las e podem trazer informações que confundem a gestão na elaboração dos temas.” 

Para observar tais situações, o gestor não precisa estar o tempo todo acompanhando as aulas dos professores. “Eu posso observar atentamente transitando pelos corredores da escola, ouvindo, anotando, tendo momentos de escuta com eles, coletando informações e verificando quais temáticas vão surgindo e que merecem mais nossa atenção”, relata Elenjusse Martins Soares, diretora da EMEF Benedita Torres, em Canaã dos Carajás (PA). Ela diz que é a partir dessa prática cotidiana que consegue contribuir com o trabalho das coordenadoras pedagógicas, especialmente em relação aos pontos que merecem mais atenção dentro da escola e da própria sala de aula. 

A coordenadora Ana Carla reforça que a coordenação pedagógica deve ter um olhar muito cuidadoso para aquilo que é passado pelos professores, em muitas situações até de forma indireta. Ela cita como exemplo o episódio em que os docentes tiveram de montar propostas para as disciplinas eletivas que seriam trabalhadas no primeiro semestre do ano passado na escola, que funciona em tempo integral. A gestão detectou diversas dificuldades. 

“As eletivas devem ter temáticas atraentes, ser interdisciplinares e trabalhar as fragilidades dos estudantes para que, ao fim de seis meses, seja feita uma entrega à escola em cima dos pontos trabalhados”, lembra Ana Carla. “A partir dos mapas feitos pelos professores, nós percebemos que a proposta das eletivas não estava sendo assegurada e que muitos deles estavam com dificuldade na execução desse documento.” 

Foi então que o tema precisou entrar na pauta das reuniões semanais. “Trouxemos informações a respeito do que são as eletivas e da sua intencionalidade, fizemos uma roda de conversa na qual mostramos e discutimos exemplos de eletivas que tiveram sucesso e que foram desenvolvidas até mesmo na escola”, conta Ana Carla. “Foi um momento muito rico, com muita troca, e todos tiveram a tarefa de olhar novamente para o documento e fazer uma nova entrega à coordenação.”

 

Possibilidades de levantamento das necessidades

Com esses pontos em mente, o gestor pode dar sequência ao mapeamento das necessidades formativas dos professores, de forma prática, perguntando diretamente a eles em quais temas gostariam de se aprofundar. Isso pode ser feito tanto oralmente, durante um encontro no início do ano, quanto por meio de um formulário com perguntas objetivas. Por exemplo: quais são as suas dificuldades em relação ao planejamento? 

“É interessante fazer perguntas mais diretas a partir daquilo que são temas pedagógicos, porque, se eu pergunto de maneira muito aberta, também posso ter uma resposta muito ampla. E isso pode acabar resultando em algo que não ajuda muito na organização do cronograma formativo”, avalia Sonia. 

De acordo com ela, perguntas específicas também podem ajudar o professor a olhar para a sua própria prática. “Posso perguntar, por exemplo: ‘Qual é a sua dificuldade com agrupamentos produtivos?’. Com isso, ajudo o professor a pensar sobre o assunto e chegar a uma resposta”, detalha. Também posso criar uma questão de múltipla escolha para ele dizer qual é a gradação do quanto conhece ou tem dificuldade cocm determinados temas. Então, é importante a gente saber perguntar, fazer essa coleta, senão não cumprimos esse objetivo.”

Outra possibilidade, segundo a especialista, é acompanhar a prática de planejamento e desenvolvimento de aulas com o objetivo de levantar fortalezas e pontos de desenvolvimento. Observar os momentos de discussão na escola também é um passo que pode ajudar no levantamento e na sistematização do que será necessário trabalhar com os professores.

Planejamento após o diagnóstico

Com as informações coletadas a partir da escuta, da observação e dos instrumentos utilizados para identificar as necessidades formativas dos professores, é hora de planejar os primeiros encontros e um calendário de formações para 2023

Na EMEF Benedita Torres, as ações formativas são organizadas conforme o calendário anual da rede municipal. É a partir dele que o cronograma é pensado pela gestão escolar, mas só depois de uma reunião de alinhamento com toda a equipe. E o planejamento não se restringe a essa etapa. Para enriquecer as formações, direção e coordenação apostam em outras alternativas, como a plataforma AVAMEC, do Ministério da Educação, e cursos online, já que os professores fizeram diversas formações para atuar no ensino remoto durante a pandemia e estão familiarizados com o ambiente virtual. 

Elenjusse salienta, no entanto, que as formações devem partir das necessidades dos educadores. “Nós temos conteúdos muito bons que são ofertados, mas que podem não ser o que precisamos no momento. Então, para esse calendário formativo, temos de partir do que realmente precisamos para que faça sentido, para que o professor queira estudar e tenha a certeza de que aquilo terá aplicabilidade na sala de aula e poderá trazer resultados”, ressalta a gestora. “Acredito que todo calendário formativo precisa partir da observação do fazer pedagógico de cada ambiente, de cada escola.”

Outro ponto importante é que o planejamento não pode ser engessado. Na EE Alfredo Paulino, por exemplo, o calendário formativo é composto mês a mês. “Isso porque muitas vezes a gente faz uma programação, mas no meio do caminho surge um assunto mais importante e nós precisamos alocar os dias, especialmente porque fazemos essa formação semanalmente com o grupo todo”, comenta a coordenadora Flávia. 

A gestora conta que a maioria das turmas da escola têm mais de 30 alunos e um tema recorrente é a gestão de sala de aula. “Com isso, fizemos formações focadas nessa temática, com um estudo profundo, teórico e prático, que trouxe bons resultados. Mas é um trabalho contínuo, então, sempre que precisamos, voltamos ao assunto durante as formações, pois é uma necessidade de todo o grupo”, diz. “Já aconteceu de trocarmos um outro tema para discutir esse assunto porque era o que estávamos precisando. Temos de estar sempre revisitando [os assuntos] para ver do que a escola necessita no momento. A gente adia, remaneja, mas não deixa de fazer.”

Dicas práticas para montar um calendário formativo em 2023

A especialista Sonia Guaraldo destaca pontos importantes nesse processo. Confira:

1. Mostre para os professores que o cronograma formativo será pautado pelas dificuldades em oferecer a recomposição de aprendizagem.

Montar um calendário formativo baseado na escuta dos professores pode fazer com que eles se sintam mais seguros e confiantes. 

2. Lembre-se de deixar claro os objetivos de aprendizagem docente.

Isso é tão ou mais importante do que destacar as temáticas. Também é preciso que esse cronograma permita possíveis retomadas ou até mesmo a substituição por outros temas que porventura surgirem.

3. Considere que a proposta formativa precisa ajudar os professores a pensar a sua própria formação e a entender quais os objetivos da escola com determinados encontros e temas.

“Quando definimos um foco e isso é trazido para o cronograma, é importante evidenciar também qual é a proposta formativa. O diagnóstico que a gente fez aqui do conhecimento que temos sobre planejamento está indicando x, y e z, e nosso objetivo é saber fazer tal coisa’”, exemplifica Sonia. 

4. Explique como a formação vai acontecer, a partir de quais métodos e como os temas serão abordados.

“É importante que essas coisas sejam compartilhadas e refletidas com os professores para que consigam também entender como eles mesmos aprendem. Dentro da lógica da formação, temos de garantir isso”, reforça a especialista.  

5. Valide o cronograma com as propostas formativas.

“É preciso saber se é isso que os professores querem, se eles concordam. Precisamos cuidar do engajamento porque, se eles não estiverem engajados, não vai funcionar”, diz Sonia. 

6. Permita que esse planejamento de formação seja avaliado durante o ano, para ser remodelado a partir do que está dando certo ou não.

 

“Isso para que se tenha não só um cronograma, mas um instrumento de planejamento vivo que realmente possa ser útil para a prática dos professores”, finaliza Sonia.

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