A proposta de gratuidade no transporte público urbano de passageiros ganha a cada dia mais adeptos no país. A implantação do passe livre e/ou tarifa zero deixou de ser um discurso marginal ou fantasioso para se concretizar como política pública em quase uma centena de cidades brasileiras, além de ser aplicada em muitas cidades mundo afora.
Essa transformação se dá após a ocorrência de um dos fatos mais importantes da política brasileira completar uma década, as chamadas “jornadas de junho” de 2013, que começaram com protestos contra o aumento da passagem de ônibus e pedindo passe livre no transporte na cidade de São Paulo. A partir disso, o movimento foi ganhando outras pautas difusas e se espalhou pelo país. Desde então, a proposta de tarifa zero no transporte urbano de passageiros se consolidou como política pública viável e cada vez mais consistente como um direito social fundamental, como previsto na Proposta de Emenda à Constituição n° 25/2023 (PEC 25/2023), de autoria da deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP), que tramita na Câmara dos Deputados desde junho deste ano.
A PEC 25/2023 propõe a criação do Sistema Único de Mobilidade (SUM) que viabilizará a implantação da tarifa zero em todo o país através do estabelecimento da Contribuição pelo Uso do Sistema Viário (ConUSV), que teria caráter progressivo. Outra fonte de recursos para o SUM poderia vir da reformulação da Lei do Vale-Transporte (Lei N° 7.418/1985), que está para completar 40 anos e não atende mais às demandas atuais dos trabalhadores em relação à mobilidade e ao transporte.
Por isso, defendemos que a tarifa zero seja uma política pública nacional. No Brasil, há pelo menos 74 municípios que a adotaram, o que ainda é muito pouco diante dos 2.703 municípios atendidos por serviços organizados de transporte público por ônibus em todo o país. No Paraná, são dez cidades: Cianorte, Clevelândia, Ibaiti, Ivaiporã, Matinhos, Paranaguá, Pitanga, Quatro Barras, Rio Branco do Sul e Wenceslau Braz.
Os dados de municípios com tarifa zero no Brasil são da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), que divulgou, em agosto deste ano, o Anuário NTU 2022-2023, com um panorama atualizado do setor.*
Menos usuários no transporte público
Este mesmo relatório da NTU aponta que, entre 2019 e 2022, o sistema de transporte público brasileiro por ônibus urbano registrou queda de 24,4% na demanda, com claro impacto da pandemia no setor. A queda é de cerca de oito milhões de viagens por passageiros pagantes por dia, baixando de 33 milhões para os atuais 25 milhões.
Essa realidade nacional é facilmente comprovada com os números do transporte público da Grande Curitiba, na sua Rede Integrada de Transporte (RIT). De acordo com a Urbs (Urbanização de Curitiba S/A), em 2019, ano pré-pandemia, foram quase 204 milhões de passageiros em Curitiba, sendo que, em 2022, este número passou de cerca de 150 milhões para 100 mil usuários, registrando uma queda de 26,3 %.
Se ampliarmos o período, a queda de usuários no sistema é ainda mais preocupante. Pois o transporte público de Curitiba, que já foi referência, vem se tornando pior a cada ano: de 2015 para cá, 45% dos passageiros deixaram de usar os ônibus. Além de perder qualidade, o preço da passagem ficou pesado para muita gente. Hoje, Curitiba tem a passagem de ônibus mais cara entre as capitais no Brasil.
Validador de pagamento em estação de Curitiba Foto: PMC
A situação não é muito diferente na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Segundo a Agência de Assuntos Metropolitanos do Paraná (AMEP), antiga Comec (Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba), o número de usuários de transporte coletivo na Região Metropolitana de Curitiba (RMC) reduziu, em média, 28,1%. A queda no número de usuários no transporte coletivo de Curitiba e Região Metropolitana é uma triste realidade, com graves consequências para a qualidade de vida nas cidades, como o aumento da poluição atmosférica, emissões de gases de efeito estufa, aumento das doenças respiratórias, dos congestionamentos, além de outros problemas relacionados.
Usuários sem prioridade
Esta realidade é agravada pela má gestão do sistema de transporte, que privilegia o lucro dos empresários do setor em detrimento dos usuários. Estes sofrem dia a dia com o descaso e enfrentam problemas como a diminuição do número de viagens e a consequente superlotação dos ônibus, principalmente nos horários de pico. Isso pagando uma tarifa de R$ 6.
O sistema RIT é altamente subsidiado pela Prefeitura de Curitiba e pelo Governo do Paraná. Em 2019, foram cerca de 140 milhões e a previsão é de que neste ano de 2023 chegue a mais de R$ 200 milhões. O valor repassado pelo governo estadual só privilegia Curitiba.
Por isso, temos um projeto de lei (PL 781/2019) que regulamenta a concessão de subsídios para o transporte público de passageiros no Paraná em todas as regiões metropolitanas do estado, segundo critérios técnicos e isonômicos, além de garantir transparência e controle social.
Ônibus tarifa zero em Volta Redonda (RJ) Foto: PMVR
Fique claro que buscamos o debate público amplo e democrático, com a participação de toda a sociedade e de todos os entes que compõem o sistema de transporte de passageiros de Curitiba e Região Metropolitana. Tanto, que realizamos audiência pública na Assembleia Legislativa do Paraná para tratar da tarifa zero como política pública de transporte.
Situação pode ser revertida
Com o Sistema Único de Mobilidade (SUM), essa situação de perda de passageiros e suas consequências gerais poderiam ser facilmente revertidas. É preciso ter ousadia para implementar o SUM e a tarifa zero como política pública nacional em todas as cidades com sistema de transporte organizado no país.
Os números comprovam que os benefícios da tarifa zero vão muito além dos relacionados ao transporte urbano de passageiros. Em algumas cidades, o número de usuários do transporte público aumentou quase cinco vezes. Além da melhoria da mobilidade, o projeto contribui para o meio ambiente, a inclusão social e a economia.
Essa seria uma oportunidade que colocaria o Brasil na vanguarda mundial no que diz respeito ao direito social ao transporte e à mobilidade. O transporte público acessível é o principal instrumento para garantir às pessoas o direito de ir e vir e de usufruir tudo o que a cidade oferece.
Hoje, o preço da tarifa impede muitas pessoas de acessarem o transporte público e, com isso, dificulta também o acesso aos postos de saúde, escolas e universidades, emprego, lazer, entre outros.
Reforma urbana
É preciso destacar, porém, que a tarifa zero deve vir acompanhada de outras medidas, como a da reforma urbana ampla. Para garantir cidadania, não basta ter transporte gratuito, é preciso que se tenha qualidade e que as pessoas não gastem tempo excessivo se deslocando.
Por conta disso, é fundamental pensar a tarifa zero em conjunto a uma política de moradia que permita que os usuários, na maioria pessoas das classes mais baixas de renda, residam em regiões bem estruturadas não só para o transporte, mas também aos outros serviços públicos e privados.
Cidadania plena
A tarifa zero é uma proposta para permitir um exercício mais pleno da cidadania. Com ela, podemos ampliar os acessos aos equipamentos urbanos das cidades e a democratização dos espaços públicos, com a diminuição da emissão de carbono, a redução da poluição do ar e do número de acidentes de trânsito.
Os benefícios da tarifa zero são inúmeros, tanto para a movimentação econômica quanto para garantia de direitos. Sua implantação e sua definição como política pública de estado são imprescindíveis para ampliarmos os direitos sociais daqueles que mais necessitam da gratuidade do transporte público urbano de passageiros no Brasil: a população mais pobre.
* Goura Nataraj (Jorge Gomes de Oliveira Brand) é cicloativista, filósofo, professor de ioga e deputado estadual pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) na Assembleia Legislativa do Paraná.
** Nota: O artigo foi enviado pela assessoria do Mandato Goura, com uma pequena alteração no título. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião do Mobilize Brasil.
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