“Afogada” pelo leite do Mercosul, cadeia produtiva brasileira está ameaçada
AGRO
Publicado em 29/08/2023

A crise é nacional e grave. É como se os produtores brasileiros estivessem sendo sufocados pela própria produção. Lá fora, o leite vai bem. Mas dentro do País, o produto, apesar de abundante, perdeu espaço para os vizinhos. Nos três primeiros meses o Brasil importou seis milhões de litros de países do Mercosul.

E quando o produto vem de fora, internamente, o que ocorre é uma sobra e consequente queda dos preços ao produtor. É a lei da oferta de demanda. Quanto mais produto, menor o preço, porém, totalmente incompatível com o custo de produção.

E porque o Brasil tem importado leite?  Trazer de fora é mais barato do que comprar do mercado interno.

Principais motivos:

1 – A Argentina subsidia 40% da produção local, o que faz baratear os custos.

2 – Há também diferença nos preços dentre a matéria-prima brasileira e a fornecida pela Argentina e Uruguai. No Brasil o custo é bem mais elevado.

3 – Disparidade nas regras impostas para a produção de leite. No Brasil a exigência sobre leis trabalhistas, tributárias e ambientais são maiores.

 

A crise afeta todos os estados produtores de leite, que se preocupam com os efeitos. O IBGE mostrou que a produção caiu 5,5% em 2022, por desistência de muitos da atividade.

PARANÁ

No dia 1º de setembro uma mobilização acontece no Sudoeste do Paraná, onde em 2022 a produção atingiu a marca de 1,8 bilhão de litros. “Recentemente, muitos produtores passaram a diminuir os investimentos – alguns a ponto de parar totalmente com a produção de leite – seguindo para outros ramos da agricultura ou até mesmo deixando o campo para viver na cidade, em razão do alto custo para produzir e o baixo retorno com a venda do leite. Além disso, muitos enfrentam ainda problemas relacionados à falta de infraestrutura e até de pessoal para trabalhar na atividade”, observa o presidente da Comissão de Agricultura e Meio Ambiente da Associação dos Municípios do Sudoeste do Paraná, prefeito de Vitorino, Marciano Vottri.

Segundo a técnica do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR, Nicolle Wilsek, a disparidade no custo de produção é a principal interferência. “O custo produtivo brasileiro, paranaense é em média US$ 0,60, já o Argentino por exemplo, não passa dos US$ 0,30 centavos. O custo alimentar, valor gasto para produzir grãos, em especial o milho, principal insumo para alimentação dos animais produtores de leite e cultivo de pastagens, é hoje o que mais onera o produtor. Sem contar a energia e mão de obra.

A produção no estado teve baixa queda nos últimos dois anos. Em 2023 até o momento permanece com volume de captação estável.

SANTA CATARINA

Em Santa Catarina, dada a importância socioeconômica da produção leiteira, o tema mobilizou representantes de diferentes setores da cadeia produtiva. Para o Centro de Socioeconomia e Planejamento Agrícola (Epagri/Cepa), esse movimento das importações não é tão extraordinário como pode parecer em um primeiro momento. Conforme o analista de Socioeconomia e Desenvolvimento Rural da Epagri/Cepa, Tabajara Marcondes, essa taxa de crescimento tão elevada, na casa dos três dígitos, tem muito a ver com a quantidade reduzida de importações no primeiro semestre de 2022. “As importações do primeiro semestre de 2022 foram baixas. Então, o crescimento percentual acaba mostrando um pulo nas importações do primeiro semestre de 2023”, explica Tabajara. Quando as importações dos primeiros seis meses deste ano são avaliadas em relação às do segundo semestre de 2022, o crescimento é bem menos expressivo, com índice de 13,8%.

MAS…

Apesar disso, não quer dizer que as importações não tenham influência sobre os preços dos produtos no mercado interno. Conforme Tabajara, o aumento na oferta de leite naturalmente pressiona os preços para baixo. Em julho, o preço médio recebido pelos produtores catarinenses foi de R$ 2,50 o litro e, pela  primeira vez no ano, foi inferior ao recebido no mesmo mês do ano passado, quando o preço médio ficou em R$ 3,04 por litro.

RIO GRANDE DO SUL

Dados oficiais comprovam que desde 2018, no Rio Grande do Sul, 44 mil pequenos produtores abandonaram a cadeia leiteira. Na Expointer, o presidente da Associação dos Criadores de Gado Holandês do Rio Grande do Sul manifestou a preocupação. “O copo que estava cheio transbordou”, disse Marcos Tang. De 2022 a 2023 a compra de produtos uruguaios e argentinos aumentou 230%. “Estamos recebendo R$ 2,17 pelo litro produzido no Rio Grande do Sul. Tem gente vendendo a R$ 1,65 e o custo é de R$ 2,25. Nos últimos dez anos passamos de 100 mil produtores no Estado para 30 mil. De 2022 a 2023 perdemos 12 mil”, alertou.

ENGAJAMENTO

Uma mobilização visa o engajamento para reverter o cenário. A Frente Parlamentar da Agricultura tem acompanhado a situação. Pedro Lupion afirmou que alguns avanços foram feitos, tais como a taxação de produtos e aumentos de alíquotas. Entretanto, para ele, a resolução do problema continua distante.

“Acredito que ainda falta fiscalização e rastreamento de como vem esse leite. Tem muito leite da Argentina e Uruguai que é produto neozelandês constituído e isso a gente não pode aceitar. Tenho certeza que existe dumping e concorrência desleal e, nesse caso, existe possibilidade legal de bloquear essa importação”, disse.

Em relação a igualdade de condições do Mercosul, o ministro defende o bloco, mas afirma que é indispensável que haja uma relação dos governos para se corrigir possíveis desvantagens de produtos, como no caso do leite.

“O bloco ainda está em construção e, obviamente, necessita de adaptações e correções de curso. O que causa certa desvantagem precisa ser conversado. o caso do leite é emblemático e vamos trabalhar para que isso não aconteça mais”, concluiu.

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