Os jovens são reacionários, mas até por ali
Os jovens são reacionários, mas até por ali
Por Administrador
Publicado em 27/06/2025 14:05
Opinião
Os jovens são reacionários, mas até por ali

Jovens sempre foram julgados pelos velhos. Porque são atrevidos demais, instáveis, superficiais, inseguros, irresponsáveis. Até o dia em que os jovens também ficam velhos e passam a julgar os jovens pelos mesmos motivos.

Mas hoje os jovens julgam os próprios jovens como nunca julgaram antes. Porque a juventude, no mundo todo, ficou mais conservadora até do que seus pais e avós quando eram jovens. O reacionarismo é um fenômeno dos machos.

Começaram a falar desse conservadorismo nos últimos anos, a partir de várias pesquisas, incluindo uma mais recente do Instituto Glocalities, feita em mais de 20 países com jovens de 18 a 24 anos.

Esse e outros estudos mostram que o conservadorismo é generalizado na juventude. Mas há um detalhe que consola os brasileiros, pelo menos em relação às posições políticas. Veremos mais adiante.

Nos Estados Unidos e na Alemanha, os homens são até 30% mais conservadores do que as mulheres, numa escala que mede a aderência a questões que envolvem discriminação e preconceito. Essa seria a geração de jovens mais conservadores desde o pós-guerra.

Mas como medir conservadorismo? Investigando como os jovens reagem diante de temas válidos para qualquer povo com ou sem evolução similar de história e costumes.

Mesmo com culturas distintas de europeus e americanos, por exemplo, os guris japoneses e chineses são conservadores como os ocidentais, com diferenças de graduação. Mas são essencialmente machistas.

A medição do conservadorismo pelo Glocalities é dada pela reação a mais de 40 questões que sondam posições sobre os valores sociais humanistas, patriarcado, questões de gênero, atitudes em relação à população LGBTQIA+, aborto, racismo, multiculturalismo, imigração, respeito às diferenças em geral e, claro, postura política.

As pesquisas confirmam o que a realidade já evidencia e expõe sem contestações. Que os movimentos identitários mobilizam muito mais mulheres do que homens. Que os homens jovens sustentam a base social de partidos de extrema direita na Alemanha, França, Espanha, Polônia, Itália e Argentina.

E no Brasil? Não, no Brasil já se sabe, desde 2018, com a ascensão do bolsonarismo, que o fenômeno ultraconservador na política não mobiliza os jovens como em outros países.

Jovens inseguros ou alegadamente disruptivos, que sustentam a retórica reacionária ou mesmo extremista, não são a base do ativismo bolsonarista, apesar do rejuvenescimento das lideranças da direita no Brasil.

Durante o período de Bolsonaro no Planalto, o Brasil teve pelo menos cinco grandes mobilizações, em capitais e cidades médias, contra o governo – a maioria durante a pandemia. A participação dos jovens era expressiva, pelo menos nas primeiras manifestações.

Mas não há, como contrapartida da direita ou da extrema direita, nenhuma mobilização de rua com massa de jovens conservadores ou identificados com o bolsonarismo, depois dos protestos de 2013, que levaram a classe média para as ruas e ajudaram a golpear a presidente Dilma Rousseff.

As aglomerações bolsonaristas promovidas pela extrema direita, principalmente no Rio e em São Paulo, foram ajuntamentos de uma maioria de machos tios do zap com idades ao redor de 50 anos. É o mesmo público médio que se vê em manifestações no Parcão, em Porto Alegre.

Dados recentes, de pesquisa do Datafolha do início de junho, informam o seguinte: 67% dos brasileiros entendem que Bolsonaro deve desistir da ideia de que é candidato a presidente, uma ambição que ele mantém, mesmo sendo inelegível.

A rejeição a Bolsonaro é maior entre os eleitores com menor nível de escolaridade e os moradores do Nordeste. E entre mulheres e jovens chega a 70%. O detalhe que seria esclarecedor, e que não aparece na pesquisa, é o que poderia separar a opinião de jovens homens e mulheres.

Pesquisa do mesmo Datafolha, de setembro de 2022, às vésperas da eleição, trazia essa informação. No grupo de eleitores de 16 a 24 anos, Lula tinha 54% da preferência, contra 24% de Bolsonaro. Na faixa de 25 a 34 anos, Lula estava com o apoio de 45%, e Bolsonaro tinha 38%.

O certo é que os jovens não foram, nem em 2018 e tampouco em 2022, uma base social decisiva para a sustentação do bolsonarismo. Mas foram eles, os que têm entre 16 e 30 anos, que ofereceram o mais importante lastro para a eleição de Javier Milei na Argentina em novembro de 2023.

Uma pesquisa publicada nesse mês pelo jornal Página 12, sobre a condenação da ex-presidente Cristina Kirchner a seis anos de prisão, revelou que 53% dos argentinos consideram Cristina culpada da acusação de que cometeu corrupção.

Entre os jovens de 16 a 30 anos esse índice chega a 70,9%. O jornal informa: nas faixas etárias seguintes, de 31 a 45 anos e de 46 a 60 anos, as respostas foram bastante equilibradas, com apenas alguns pontos a mais para a condenação do que para a absolvição de Cristina.

A conclusão é a de que o eleitor jovem de Javier Milei aderiu ao ultraconservadorismo mundial e passou a ser antiperonista, e não necessariamente alguém com sentido de justiça.

Enquanto isso, a população mais idosa da Argentina ainda mantém vínculos com o que resta das esquerdas no país. Entre pessoas com mais de 60 anos, cai para 51% os que acham que Cristina é culpada.

Em toda parte, jovens machos conservadores combinam o sentimento de desesperança com o futuro e de perda de poder do homem em relação ao avanço do feminismo. E se dedicam a acreditar em rupturas políticas, muito mais do que as mulheres jovens.

Os jovens machos agarram-se à mágica dos que prometem acabar com tudo que está aí e assegurar prosperidade e fartura, sob o ponto de vista das conquistas individuais, como promete Pablo Marçal.

A extrema direita mundial usa os mesmos métodos de luta antissistema e anticasta (como diz Milei) para atrair os desencantados. Tudo potencializado pelos conteúdos que prevalecem nos algoritmos das redes sociais, impostos pelas big techs subservientes ao poder econômico mundial e ao que dá mais dinheiro. A audiência preferencial é concedida ao ódio, à mentira e à difamação.

Por que no Brasil – mesmo que os jovens machos sejam conservadores em relação aos costumes, como a média mundial apresentada nas pesquisas –, eles não são ativistas extremistas de direita na política, no mesmo grau das juventudes europeia, americana e argentina?

Por que o bolsonarismo não consegue sensibilizar os jovens no Brasil, para que se complete, também nesse contingente, o avanço do reacionarismo associado a ideias fascistas? São perguntas atrás de respostas. Que os jovens poderiam oferecer enquanto são jovens.

Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.

Comentários

Chat Online