A taxação dos investimentos voltados ao agronegócio, hoje isentos, já deveria ter ocorrido e não vai impactar os preços dos alimentos, diz a economista Carla Beni, professora da FGV. Para Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, a taxação vai aumentar os custos do setor, mas ainda não se sabe se será algo representativo. Representantes do agronegócio pressionam contra a medida.
O governo publicou uma medida provisória que prevê a taxação de 5% de imposto de renda para investimentos hoje isentos, dentre eles a LCA (Letra de Crédito do Agronegócio), usada para investimentos no agronegócio.
Entenda
Taxar LCA não vai aumentar preço dos alimentos. A taxação de 5% proposta pelo governo não vai ter impacto no preço dos alimentos, pois o produto financeiro continuará a ter vantagem em relação a outros investimentos, diz Beni.
É um exagero dizer que taxar em só 5% uma operação financeira que tem um benefício gigantesco vai causar aumento de preço nas prateleiras. Estão arrumando problema onde não existe e fazendo terrorismo.
Carla Beni, economista e professora da FGV
LCA continuará a ter vantagem em relação a outros investimentos. A proposta do governo é taxar em 5% aplicações hoje isentas, como LCI (Letra de Crédito Imobiliário) e LCA (Letra de Crédito do Agronegócio). Pelo texto, outros investimentos de renda fixa ficam taxados em 17,5%. "A operação com LCA continua extremamente atrativa. Mesmo se ela tivesse uma tributação de 10% ainda seria beneficiada", diz Beni.
LCA é usada por grandes empresas e não pelo pequeno produtor. Ainda segundo a economista, quem usa esse tipo de produto financeiro para captação de recursos são grandes empresas, focadas principalmente na exportação. "A LCA não é uma ferramenta usada pelo pequeno e o médio produtor, que é quem coloca 60% da comida no prato do brasileiro.", diz
Custo pesará para o consumidor?
Aumento de custos vai ocorrer, mas não se sabe se será representativo. Para Silvio Campos Neto, sócio e economista-sênior da Tendências Consultoria, se houver aumento de custo para a produção, ele vai acabar afetando todo o setor, mesmo que os mais afetados vendam seus produtos fora do país. "Se tiver aumento de custo, vai aumentar para todo mundo. Mas é difícil de antemão dizer se será algo representativo, talvez não seja", diz
Outro ponto é saber quanto desse aumento de custos será repassado ao consumidor. "O custo do capital vai subir. A questão é ver o quanto eles conseguem repassar isso para os produtos. Tem a questão de oferta e demanda e há sempre um limite para que aumento de custo seja passado para os consumidores. O que se sabe é que isso gera pressão para algum tipo de repasse", diz Neto.
Debater a isenção é algo válido, mas sem extremos. Para o economista, é importante debater se a isenção dessas letras de crédito é correta. "Tem que ter um debate se realmente esse tipo de isenção é correta, e se esses papeis devem ser mesmo isentos ou se tem que ter uma cobrança, mesmo que abaixo de outros papeis. É algo que pode ser discutido sem ficar em extremos. Quem emite faz uma pressão, a questão é avaliar se esse benefício é devido", diz.
Agronegócio pressiona contra a medida. Em nota, a CNA (Confederação Nacional do Agronegócio) disse que a proposta de Haddad "impacta diretamente a disponibilidade de funding para o crédito rural". A Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), disse que a medida afeta diretamente "a competitividade, a previsibilidade e a segurança financeira dos produtores rurais e das cadeias produtivas como um todo"
O que o governo propõe?
Governo publicou medida provisória com taxação de investimentos hoje isentos. O governo publicou no dia 11 de junho uma medida provisória que instituiu, entre outros pontos, a tributação de títulos de dívida privada antes isentos de imposto de renda. A cobrança começa a valer em janeiro de 2026. Quem já comprou esses papéis, continuará isento.
Entram nessa lista: Letras Hipotecárias, LCIs (Letras de Crédito Imobiliário), CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), CDAs (Certificado de Depósito Agropecuário), WA (Warrant Agropecuário), CDCAs (Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio), LCAs (Letra de Crédito do Agronegócio), CRAs (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), CPR (Cédula de Produto Rural com liquidação financeira, desde que negociada no mercado financeiro), LIGs (Letras Imobiliárias Garantidas), LCDs (Letras de Crédito do Desenvolvimento) e títulos e valores mobiliários relacionados a projetos de investimento e infraestrutura.
O texto também prevê unificar em 17,5% a cobrança de IR que antes era escalonada sobre aplicações financeiras. Hoje, o IR cobrado sobre os lucros dos investimentos varia conforme o tipo de aplicação e o prazo. CDBs, por exemplo, cobram 22,5% para quem realizar o saque em até 180 dias e 15% para saques depois de dois anos. Ações, por sua vez, são taxadas em 15%, com isenção em operações de até R$ 20 mil por mês. Com a MP, todas as aplicações terão a mesma alíquota de 17,5%. O percentual passa a valer a partir de janeiro de 2026.
A MP ainda precisa ser analisada pelo Congresso. Embora as resoluções da medida provisória passem a valer imediatamente após sua publicação, a MP precisará passar pelo Congresso Nacional. Primeiro, por uma comissão mista, formada por senadores e deputados, que discutirá o texto, podendo sugerir mudanças. O parecer emitido por essa comissão depois será votado nos plenários das duas Casas.
O Congresso não garantiu a aprovação da MP. Apesar de o acordo ter sido costurado com deputados e senadores, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que o Parlamento não tem o "compromisso" de aprovar a MP. Ele cobrou do governo medidas estruturais para equilibrar o Orçamento da União, mas elas ficarão para outra fase das negociações, que incluem uma reforma da parte administrativa do governo.