Falta remédio para as ilusões desfeitas
Falta remédio para as ilusões desfeitas
Por Administrador
Publicado em 09/06/2025 07:54
Opinião
Falta remédio para as ilusões desfeitas

Alceu A. Sperança

 

Ilusões levam a erros, prejuízos, insanidade mental e tragédias. As crenças em que o Brasil vai muito bem ou muito mal são estúpidas - a estrutura produtiva está em plena ação e a burocracia nacional vai levando o barco adaptando-o às circunstâncias mundiais, como qualquer outro país.

Não há um sistema que o faça dominado por um único rei e senhor. É infantilidade criticar o governo federal por seu bate-cabeça sem também ver os suspeitos segredinhos do Congresso nem a arrogância que contamina a Justiça.

É como acreditar em Bets, ETs ou em seitas que prometem milagres mediante rezas gritadas com ordens às divindades: "Mande-me, ó senhor, milhões de dólares e a cura da frieira!"

Causa tristeza ver pessoas à nossa volta cultivando ilusões que levam a erros graves de avaliação e, em consequência, a decisões desastrosas. Muitos erros de avaliação partem de equívocos eleitorais, como o pensamento imbecil de que Lula, um liberal, seja "comunista". Em 15 anos de poder, o lulismo só praticou capitalismo, e meia boca, pois nem a reforma agrária básica do capitalismo sua tchurma conseguiu fazer.

Mais infantil ainda é a ideia de que Bolsonaro, um militar de baixa patente, nascido no sindicalismo e crescido no baixo clero da Câmara Federal, tenha capacidade para ser "ditador" com a mesma autoridade moral de qualquer um dos presidentes militares que o Brasil já teve e nunca o aturaram.

 

Farinhas do mesmo saco

A coisa vai piorar se a Inteligência Artificial convencer a população de que tanto faz Lula ou Bolsonaro, Trump, Xi ou Putin, pois uma entidade superior acima deles e de tudo, num mar de algoritmos ou nos altos do espaço, regula tudo e eles apenas obedecem ao que foi determinado no Além.

Já não é mais possível distinguir entre o que é real e o que é irreal. Uma brincadeira corrente nas redes sociais é humanizar desenhos animados. Você sabe que é uma brincadeira porque o desenho vai assumindo quadro a quadro as feições humanas. O problema é quando a IA veste Trump como se fosse o Papa ou faz o presidente da República dizer mais besteiras do que habitualmente diz.

Quando saiu a declaração de Lula de que "Deus" deixou a seca tomar conta do Nordeste para ele, o novo Messias, resolver o problema dos sedentos, ficou difícil distinguir se era mais uma idiotice dita por quem fala demais ou um artifício de IA.

Tudo ficou indistinto, como a falsa imagem de inimigos se beijando. Há pouco, o bilionário Elon Musk, tido como um dos mais espertos empresários do planeta, confessou que errou ao entrar no governo do EUA. O presidente Trump, por sua vez, deixou claro que também está frustrado e cassou o nome que Musk havia proposto para a Nasa.

Musk devolveu a gentileza atacando o orçamento do governo, que qualificou de "enorme, escandaloso e eleitoreiro", "uma abominação repugnante". 

 

Dois elefantes incomodam

Se os homens mais ricos e poderosos do mundo se deixam enganar pelas aparências e mostram incapacidade de se entender, o que dizer do cidadão comum, alvejado pela mais totalitária máquina de propaganda jamais vista, dominada por robôs?

Não é de estranhar que brigue com a esposa, discuta com sócios, saia no braço no clube e troque insultos com parceiros de bar.

Trump tinha certeza de que acabaria a guerra da Ucrânia já no dia da posse, com dois telefonemas: um a Putin, outro a Zelensky. Estes dois, por sua vez, falam em acordo de paz todos os dias e diariamente se atiram bombas um no outro.

Pelo mundo afora contam-se aos milhões os eleitores traídos por presidentes, governadores, prefeitos e parlamentares eleitos pela manipulação do poder econômico e dos truques publicitários, agora piorados pelo emprego ardiloso da IA.

No caso da disputa Lula x Bolsonaro, vê-se claramente que eles são dois narcisistas do tipo "dois elefantes incomodam muita gente", daquela irritante brincadeira infantil que vai incomodando mais a cada elefante acrescentado à arenga.

 

Semi com jeito de total

Os narcisistas se acham grandes e insuperáveis, acreditam nas próprias ilusões que semeiam e são muito veementes na defesa de suas "mentiras sinceras". Um estudo (Memory & Cognition) mostrou que eles moldam seus argumentos de forma a se alinharem com os medos ou inseguranças das vítimas, ou seja, do público-alvo.

São manipuladores que adoram atribuir suas culpas aos outros e se apresentar como geniais e honestos. Sufocar com incoerências verbais quem lhes faz perguntas coerentes é o estado da arte para eles.

Lula e Bolsonaro são cartas fora do baralho pelo óbvio motivo de que é o Centrão que governa o Brasil e aprofunda dia a dia o semiparlamentarismo. Os seguidores de L e B seguem ilusões. Adoram ídolos de dois falsos e imprecisos polos "ideológicos".

O luliberalismo nada tem a ver com esquerda, pois o marxismo na verdade é anticapitalista. E o bolsonarismo pouco tem de liberal por ser essencialmente conservador. Duas falsificações, dois elefantes que incomodam muita gente

Nenhum deles nem de longe representa a média do que seria o povo brasileiro real, aquele que acorda cedo para trabalhar e volta cansado da labuta. Seus eleitores, orientados pela propaganda dos robôs, votam em um rei e elegem um bobo da corte.

Não percebem que o lulismo e o bolsonarismo são inúteis, já que nenhum dos dois bandos jamais vai de fato exercer o poder, desde a Constituinte de 1988 desenhado para pertencer ao Centrão.

 

"Supremo é o povo"...

A Constituição diz que todo o poder emana do povo, mas de todo, não de uma parte, mesmo a parte que vence eleições. Por isso, na prática o poder emanado do povo não é exercido pelos áulicos do rei que ostentam cargos e polpudos ganhos nem suas controversas esposas, mas por meio do Congresso, vigiado pelo Poder Judiciário.

Se o PJ anda muito saliente é por ser acionado pelo mar de malandragens inconstitucionais que rolam entre os "cleros" do Parlamento, os cantos escuros do governo e os aproveitadores das cortes.

Quem olhar com atenção os freios e contrapesos inscritos na Carta Magna verá que essa foi a mágica que nunca permitiu aos lulistas impor uma "república sindicalista" (que desde Golbery na verdade jamais quiseram) nem aos bolsonaristas fazer algo mais concreto que motociatas sem capacete. Mas mesmo traindo compromissos os seguidores ainda os amam, seduzidos pelos truques narcísicos.

Já quem não gostar dos juízes pode tentar elegê-los, como começaram a fazer no México. Aí os bandidos que se enriquecem no crime organizado e roubam do povo elegerão quem quiserem para absolvê-los quando forem apanhados pela Polícia Federal. (Ilustração: Mescla)

 

Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br

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