Qual é o peso das pensões das filhas de militares para o Brasil?
POLITICA
Publicado em 06/12/2024

O debate sobre a extinção das pensões vitalícias para filhas de militares segue em destaque. Embora o benefício seja visto como obsoleto, ele representa a maior parcela das pensões pagas nas Forças Armadas.

Essa informação, baseada em dados da Controladoria-Geral da União, está na primeira edição do Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público, um estudo da República.org que examina, em detalhes, as diversas facetas do funcionalismo público.

Os benefícios destinados aos militares representam 52,8% de todas as despesas com pensões do governo federal e 8% do total das despesas da administração federal. Dentro desse grupo, as pensões para filhas de militares correspondem a 62,49% do total das pensões, um percentual alto em comparação ao setor público civil, em que as pensões para filhos, filhas e enteados ficam em 33,47%.

Pensionistas militares do Executivo Federal de 2020 a 2024 (números absolutos)

Além de ter um alto custo para os cofres públicos, o benefício é considerado desatualizado em relação às reformas previdenciárias mais modernas. Desde a década de 1960, todos os militares das Forças Armadas — Marinha, Exército e Aeronáutica — têm o direito de deixar uma pensão por morte para seus dependentes. Esse direito é visto como ultrapassado e representa uma carga significativa para as finanças públicas.


Fonte: Elaborado pela República.org com base na CGU de 2024.

A pensão vitalícia para as filhas de militares falecidos passou por uma série de modificações ao longo das décadas, até que foi extinta em 2001. Mas o fim do benefício valeu apenas para quem entrou nas Forças Armadas depois de agosto de 2001. Para esses militares, a pensão de morte para os filhos, homens ou mulheres, ficou limitada até o beneficiário completar 21 anos ou fazer 24 anos, se for estudante universitário, como é a regra geral. O militar que ingressou até agosto de 2001 teve garantido o direito à pensão vitalícia para as filhas.

Anuário revela retrato do serviço público brasileiro

Vanessa Campagnac, gerente de Dados e Comunicação da República.org e doutora em ciência política, é uma das autoras do anuário. A equipe conta ainda com três pesquisadoras: Ana Luiza Pessanha, analista de Conhecimento; Paula Frias, coordenadora de Dados; e Ana Paula Sales, estagiária de Dados.

 

Juntas, elas analisaram diversas fontes de dados, incluindo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios contínua (PNADc) do primeiro trimestre de 2024; a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 1995 a 2022; dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2023; o Painel Estatístico de Pessoal (PEP) do governo federal de 1998 e de 2024; o DadosJusBR, de 2018 a 2024; e dados de portais de transparência estaduais coletados em 2024.

A proposta do Anuário é informar e qualificar o debate para entender o Estado brasileiro e suas desigualdades. É necessário que o serviço público espelhe a diversidade na nossa sociedade. É preciso compreender que, quanto mais diversas forem as pessoas, mais elas terão condições de pensar e implementar políticas públicas”, explica Vanessa.

O estudo tem como objetivo enfrentar estereótipos negativos sobre o serviço público brasileiro. Baseado em dados e evidências de várias instituições públicas, ele busca esclarecer o perfil e as desigualdades que ainda persistem no sistema burocrático do país.

Apesar de serem maioria no serviço público, mulheres são minoria nos cargos de liderança

Embora mulheres e pessoas negras sejam maioria na administração pública, especialmente no nível municipal, onde a participação de mulheres negras é expressiva, os cargos de liderança seguem ocupados majoritariamente por homens brancos.

É necessário que o serviço público espelhe a diversidade da sociedade. Quanto mais diversas forem as pessoas, mais terão condições de pensar e implementar políticas públicas.

O perfil racial dos servidores públicos revela que a maioria se identifica como negra (52,6%), enquanto 46,1% se declara branca. Segundo o Censo de 2022, 56,2% da população brasileira se identifica como negra ou parda.

Informações detalhadas sobre a presença de pessoas negras no funcionalismo público brasileiro também estão disponíveis no estudo Onde estão os negros no serviço público?, publicado pela República.org em 2022.

Mesmo após dez anos, lei de cotas não teve os resultados desejados

O prazo de vigência da Lei 12.990/2014, que estabeleceu a reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais para pessoas negras, terminou em 10 de junho de 2024. No entanto, seus efeitos ainda não foram plenamente concretizados.

Diante da falta de avaliação sobre sua eficácia, o Supremo Tribunal Federal (STF) prorrogou a validade da lei até que todos os requisitos da decisão sejam cumpridos. O STF considerou inconstitucional encerrar a lei sem uma análise de seus resultados e determinou que o período de 10 anos deve servir como referência para avaliar a ação afirmativa e decidir sobre sua prorrogação, seu realinhamento ou seu encerramento.

 

Paralelo a isso, 20 dias antes do fim da vigência da lei, o Senado Federal aprovou um projeto que estende as cotas por mais 10 anos e eleva a reserva de vagas de 20% para 30%. O projeto agora segue para análise na Câmara dos Deputados.

A análise das pesquisadoras do anuário mostra que, após 10 anos de vigência, a Lei de Cotas necessita de ajustes para ampliar seu impacto futuro e aprimorar os métodos de avaliação. Um estudo feito em 201 pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) constatou que a administração pública federal não está atingindo a cota legal de 20% das vagas reservadas para pessoas negras. A avaliação abrange dados de todos os concursos realizados entre 2014 e 2019.

Em 20 anos, perfil das ocupações do serviço público mudou

O anuário revela que, ao longo das duas últimas décadas, os servidores públicos estão mais escolarizados e com idade média mais elevada. Essas mudanças sociodemográficas são significativas e exigem atenção.

Entre 2003 e 2022, o perfil ocupacional no serviço público passou por transformações importantes. Em 2003, os trabalhadores de serviços administrativos totalizavam 1.884.247 vínculos, representando 25,7% do total. Em 2022, o número se manteve quase estável, com uma leve redução de 1,15%, totalizando 1.862.521 vínculos, o que corresponde a 18,6% do total de vínculos.

Em 2003, a função de assistente administrativo era especialmente relevante, representando 39,8% dos vínculos em serviços administrativos e 10,2% do total de vínculos públicos. Passados quase 20 anos, essa ocupação ainda possui o maior número de vínculos no serviço público (902.303), correspondendo a 48,4% dos vínculos administrativos e 9,0% do total. Isso indica que, embora o número absoluto de assistentes administrativos tenha aumentado, sua proporção diminuiu em razão do crescimento de vínculos nas áreas de educação e saúde.

Professores lideram força de trabalho no setor público

Em 2022, os profissionais de ensino tornaram-se a categoria com o maior número de vínculos no setor público, representando 26,7% do total (2.670.616 vínculos) — um aumento de 45,2% em comparação a 2003, quando eram 25,0%.

Entre eles, professores do ensino fundamental, incluindo aqueles com formação de nível médio e superior, somam 1.073.917 vínculos, fazendo dessa a ocupação com maior representatividade no serviço público, respondendo por 10,8% de todos os vínculos civis.

O crescimento mais expressivo, no entanto, foi observado entre os profissionais de medicina, enfermagem e serviços de saúde, com um aumento de 115,4%: de 704.197 vínculos em 2003 para 1.516.842 em 2022, representando 15,2% do total de vínculos. Em contrapartida, a categoria dos trabalhadores agropecuários, florestais e da pesca encolheu 42,3%, passando de 35.687 vínculos em 2003 para 20.574 em 2022, ou 0,20% do total.

Esse avanço dos profissionais da educação e da saúde reflete o movimento de universalização dos direitos à saúde e educação no país ao longo dos anos.

“Esse aumento entre os profissionais de ensino e de enfermagem mostra como o Estado avançou nos setores sociais nos últimos 20 anos. O avanço é reflexo dos direitos sociais conquistados na Constituição de 1988”, avalia Paula Frias, uma das autoras do anuário.

É mito que o Brasil tenha servidores públicos em excesso

O estudo também desmistifica a visão de que o serviço público brasileiro é inchado e ineficiente. O anuário traz detalhes que mostram as particularidades do Estado e ressalta como a Constituição de 1988 ampliou o acesso a serviços essenciais como saúde, previdência, assistência, educação e moradia.

O aumento entre os profissionais de ensino e enfermagem mostra como o Estado avançou nos setores sociais nos últimos 20 anos — reflexo dos direitos sociais conquistados na Constituição.

Esse aumento no acesso trouxe consigo uma maior demanda por servidores para atender à população, o que influencia diretamente a gestão pública e o equilíbrio fiscal. Em um Estado Democrático de Direito que busca reduzir desigualdades e promover direitos sociais, investimentos públicos eficazes são indispensáveis.

Em comparação com países da OCDE, o Brasil está longe dos primeiros lugares na proporção de trabalhadores no setor público. Aqui, 12,2% dos trabalhadores atuam no serviço público, enquanto no Reino Unido, Austrália e França essa taxa supera os 20%. Mesmo em países comparáveis, como Chile (13%) e Uruguai (14,4%), a proporção é maior do que no Brasil.

Ainda faltam dados públicos para conhecer melhor o perfil do servidor

O setor público ainda enfrenta uma grande lacuna em dados abrangentes e sistematizados na área de gestão de pessoas. Comparado a setores como educação, saúde e assistência social, ainda há muito a avançar. Segundo o snuário, a ausência de normas e orientações comuns dificulta a criação de uma base de dados unificada e consistente, o que compromete a acessibilidade das informações nacionais. Por exemplo, não é possível quantificar todos os profissionais públicos do Brasil com base em seu tipo de vínculo, usando como referência o portal de transparência dos diferentes entes federativos — União, estados, Distrito Federal e municípios.

“É preciso instituir a cultura analítica na área de gestão de pessoas no serviço público”, frisa Paula. “Existem os dados, mas não são sistematizados e utilizados de uma forma estratégica.”

Hoje, faltam informações consolidadas que revelem, por exemplo, quais cargos e carreiras esses vínculos ocupam, sua remuneração detalhada em folha ou características sociodemográficas como gênero, raça, escolaridade e faixa etária. Para obter essas informações, mesmo que de maneira limitada, foi necessário recorrer a fontes como RAIS, PNADc, ESTADIC e MUNIC — sendo as duas últimas focadas apenas no Poder Executivo de estados e municípios.

É preciso instituir a cultura analítica na área de gestão de pessoas no serviço público. Existem os dados, mas não são sistematizados e utilizados de forma estratégica.

Para desagregar dados sobre todo o funcionalismo público por sexo e cor/raça, as pesquisadoras da República.org recorreram à PNAD Contínua. Mas, apesar de ser uma importante fonte, essa pesquisa também apresenta limitações: como os dados são coletados via questionário, a interpretação das perguntas pode afetar as respostas, e alguns entrevistados podem optar por não responder a certas questões.

Alguns servidores recebem salários acima do teto constitucional

… mas a maior parte do serviço público não ganha salários elevados. Dados da RAIS de 2022 mostram que a mediana salarial no Executivo municipal, que representa 47,9% dos servidores civis do país, é de apenas R$ 2.795. Os maiores salários estão no poder Judiciário, tanto federal quanto estadual, com medianas em torno de R$ 15 mil e R$ 10 mil, respectivamente. No Legislativo e no Executivo federal, as medianas são próximas de R$ 8 mil. O Legislativo federal concentra os salários mais elevados: 20% dos profissionais recebem acima de R$ 31.428. No Judiciário federal, 30% ganham acima de R$ 20.343.

 

 
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