Em meio a insegurança alimentar no Brasil, ações e projetos sociais buscam cultivar mudanças reais, promovendo acesso a alimentos saudáveis.
A inclusão de frutas, verduras e legumes é essencial na alimentação, mas, por vezes, sua disponibilidade é limitada, especialmente em áreas economicamente desfavorecidas das cidades, onde os desertos alimentares são comuns. Segundo o relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI), feito pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de 70,3 milhões de brasileiros (32,8% da população) encontram-se em situação de insegurança alimentar, que é a redução na quantidade e qualidade dos alimentos, assim como a falta deles por um ou mais dias.
Se, por um lado, a ausência ou ineficácia de políticas públicas são os percussores dos desertos alimentares e suas consequências, por outro, é justamente a ação do homem que pode destituí-los.
TENSÕES ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA
A legislação, especificamente a Lei n° 10.831/2003, destaca de forma objetiva os benefícios associados à alimentação saudável. Em seu texto, ressalta que o propósito do sistema de produção orgânica é fornecer produtos livres de contaminantes intencionais, além de destacar a importância dos alimentos orgânicos na preservação da biodiversidade.
O Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde, reitera que o direito a uma alimentação adequada e saudável é fundamental, implicando o acesso contínuo e regular, de maneira socialmente justa, a práticas alimentares condizentes com os aspectos biológicos e sociais do indivíduo. Além disso, destaca a classificação dos alimentos in natura ou minimamente processados como os mais apropriados para um consumo diário e nutritivo.
A ideia é respaldada pela Constituição Federal, que, em seu Artigo 7º, destaca a importância de recursos financeiros adequados para promover aspectos essenciais da vida humana. O texto menciona a importância do salário mínimo nacional para atender às necessidades vitais básicas, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.
De acordo com Josimar Gonçalves de Jesus, membro do GT USP Políticas Públicas de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome, em artigo publicado no Jornal da USP, no Brasil, o Estado garante acesso, mesmo que seja, muitas vezes, de qualidade precária, a serviços básicos como saúde e educação, mas o acesso à alimentação depende, essencialmente, da capacidade de os indivíduos pagarem por ela.
“O critério de avaliação de uma economia deve ser o bem-estar das pessoas. Embora a renda esteja longe de ser uma medida perfeita do bem-estar, há uma relação razoavelmente estreita entre bem-estar e renda per capita e a análise da distribuição da renda é uma maneira de avaliar uma economia. A pobreza e as restrições de acesso a alimentos desaparecem com renda elevada e bem distribuída”, avalia Gonçalves de Jesus.
Essas questões tornam-se mais visíveis em grandes cidades e metrópoles, onde a disponibilidade de alimentos saudáveis é distorcida, resultando em lacunas e problemas na distribuição e venda de alimentos. Os desertos alimentares, por exemplo, estão concentrados em bairros periféricos, atingindo grupos de menor renda, segundo o mapeamento da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN).
Diante da discrepância entre as leis e a prática e a falta de aplicação efetiva das teorias alimentares em determinadas regiões, iniciativas Brasil afora buscam suprir essa lacuna, abordando as barreiras de acesso e promovendo soluções sustentáveis alternativas. Conheça oito delas Brasil afora.
INICIATIVAS QUE BUSCAM COMBATER A INSEGURANÇA ALIMENTAR
1. PÉ DE FEIJÃO
Uma horta comunitária, composta por dezoito estruturas variadas, como vasos, caixotes de plástico e de madeira, foi implementada em uma unidade descentralizada do Centro de Referência da Assistência Social (Cras) na comunidade de São Judas, em Campinas, no estado de São Paulo. O projeto, intitulado Agricultura Urbana, é uma parceria entre a Fundação FEAC e o negócio de impacto social “Pé de Feijão”, iniciado em agosto de 2021. Nessa horta, é possível encontrar uma diversidade de plantas, como hortelã e capim-limão para chás, cebolinha e salsinha para temperos, e beterraba e quiabo para complementar as refeições.
Esta é apenas uma das diversas ações da instituição, que se responsabiliza pela distribuição de alimentos em várias comunidades brasileiras. Além disso, o projeto se dedica a promover iniciativas informativas sobre segurança alimentar, controle do desperdício e a transformação da relação das pessoas com os alimentos.
2. PRATO VERDE SUSTENTÁVEL
O “Prato Verde Sustentável” é outra iniciativa que leva uma alimentação saudável para comunidades vulneráveis. Idealizado em 2013 pelo educador ambiental Wagner Ramalho, que compartilhou seu conhecimento no episódio 49 do podcast Habitability, o Prato Verde Sustentável surgiu da experiência adquirida no projeto “Cre-Ser: germinando cidadania”, do conhecimento teórico obtido no curso de Gestão Ambiental da Faculdade Metropolitana Unidas (FMU) e da necessidade de integrar a teoria aprendida em sala de aula com atividades práticas para impulsionar uma efetiva transformação nas periferias de São Paulo, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população.
Atualmente, a organização de impacto socioambiental mantém uma plantação agroecológica em uma área anteriormente subutilizada, oferecendo alimentos orgânicos, treinamentos e experiências ecológicas. Wagner Ramalho acredita que a solução para os problemas socioambientais começa no prato, que deve ser verde vivo.
3. CULTIVANDO HORIZONTES
Também em São Paulo, o projeto “Cultivando Horizontes” visa proporcionar segurança alimentar e nutricional a núcleos familiares de crianças e adolescentes que enfrentam desafios nutricionais, bem como a moradores em situação de vulnerabilidade na capital paulista.
Essa iniciativa é promovida pelo Centro de Recuperação e Educação Nutricional (CREN), em parceria com o Instituto Kairós e o coletivo feminino Mulheres do Grupo de Agricultura Urbana (GAU). O projeto implementa uma abordagem abrangente, na qual as instituições se dedicam a fornecer diretamente às famílias alimentos frescos e naturais. Esse conjunto inclui folhas, verduras, temperos naturais, legumes, frutas e plantas alimentícias não convencionais (PANCs).
4. HORTA EM TODO CANTO
Mas não é apenas no Sudeste que iniciativas para combater a insegurança alimentar estão aflorando. Em Pernambuco, o programa “Horta em Todo Canto” se fundamenta na criação de hortas orgânicas em espaços públicos, visando contribuir para a promoção da segurança alimentar e nutricional, inclusão social e educação alimentar e ambiental. A proposta central é plantar hortaliças em comunidades como meio de atingir esses objetivos.
Implementado em seis cidades pernambucanas, o programa tem gerado impactos positivos ao incentivar a adoção de hábitos alimentares conscientes e saudáveis entre a população por meio da diminuição do preço final, facilitando a distribuição e acesso aos alimentos.
5. CÉLULA DE CONSUMIDORES RESPONSÁVEIS
Já no Sul do País, o projeto “Célula de Consumidores Responsáveis”, de Florianópolis, em Santa Catarina, agrega seis grupos de agricultores orgânicos que disponibilizam mais de 500 cestas de alimentos em diversos pontos de compartilhamento pela cidade. A proposta de cada célula é estreitar os laços entre os consumidores e os produtores de alimentos orgânicos através de encontros, grupos de mensagens e visitas às propriedades agrícolas. Essa abordagem visa facilitar a venda direta, eliminando intermediários no processo.
6. MERENDA ESCOLAR
Embora as políticas públicas no Brasil ainda não alcancem plenamente o objetivo de erradicar a insegurança alimentar, existem exemplos promissores de ações governamentais direcionadas a esse desafio. No estado do Paraná, a alimentação fornecida nas escolas da rede pública é fundamentada em alimentos in natura adquiridos de mais de 25 mil produtores locais. Esses produtores incluem a agricultura familiar, assentamentos da reforma agrária e povos e comunidades tradicionais.
Por meio desse sistema de alimentação escolar, cerca de um milhão de estudantes paranaenses consomem semanalmente 400 gramas de frutas, legumes e verduras cada. Além disso, as refeições são compostas por 35% de alimentos provenientes de fontes orgânicas e base agroecológica. Esse comprometimento em utilizar produtos locais e sustentáveis não apenas promove uma dieta mais saudável para os estudantes, mas também apoia a economia local e a agricultura sustentável na região.
7. HORTA ESCOLAR
Já a rede de ensino municipal de Jaraguá, em Goiás, lançou o projeto Horta Escolar, uma iniciativa que estimula práticas de agricultura familiar e urbana em uma rede de cooperação entre a comunidade escolar e o corpo profissional do município. Para viabilizar essa proposta, são realizadas reuniões e rodas de conversa, oferecidos treinamentos em olericultura, ministrados cursos e organizadas visitas técnicas.
Após o plantio e a colheita, as hortaliças passam a integrar a alimentação escolar, proporcionando melhorias na nutrição dos alunos. Além disso, essa prática contribui para uma conscientização mais profunda sobre o significado das escolhas alimentares saudáveis, que toca em um ponto cultural da insegurança alimentar, além de promover ensinamentos ecológicos e ressaltar a importância de agir em prol do meio ambiente.
8. MAPA DE FEIRAS ORGÂNICAS
Para além das iniciativas sociais, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) lançou em 2012 o Mapa de Feiras Orgânicas com o propósito de fomentar o consumo de alimentos orgânicos, apresentando-se como uma ferramenta alternativa que estabelece uma conexão direta entre produtores e consumidores, simplificando a comercialização dos produtos a preços mais acessíveis.
Utilizando um mapa de geolocalização, o projeto mapeia os locais das feiras, grupos de consumo e estabelecimentos comerciais que adotam a venda de produtos orgânicos. A abordagem visa não apenas facilitar o acesso dos consumidores a alimentos saudáveis, mas também promover a divulgação e o fortalecimento da rede de produtores locais.
Com 1.043 iniciativas já cadastradas em todo o Brasil, abrangendo municípios nos 26 estados e no Distrito Federal, o Mapa de Feiras Orgânicas se destaca como uma plataforma que não só estimula escolhas mais conscientes e saudáveis, mas também impulsiona o comércio local sustentável.
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