Lançado em 14 de julho de 1969, há exatos 54 anos, o filme “Easy Rider” (“Sem Destino” na versão em português) é uma inspiração para todo motociclista. O road movie – dirigido por Dennis Hopper – narra a história de dois motociclistas (Peter Fonda e o próprio Hopper) que atravessam os Estados Unidos, defendendo a liberdade e reforçando os signos da contracultura, um movimento dos anos 1960 que questionava os valores vigentes.
“Easy Rider” foi um marco da geração hippie e transformou a motocicleta em ícone de liberdade. Antes disso, o ator Marlon Brando, no filme “O Selvagem” (1953), e o guerrilheiro Che Guevara já tinham celebrado essa liberdade. Um dos principais líderes da Revolução Cubana percorreu a América do Sul a bordo de uma Norton 500 cc, registrando tudo em um diário de viagem que serviu de base para o filme “Diários de Motocicleta” (2003).
“Easy Rider” é o primeiro impulso ao mototurismo. E, sem querer, transformou a Rota 66 no roteiro mais desejado pelos motociclistas de todo mundo. O percurso de 3.939 km, que parte de Chicago, em Illinois, e vai até Santa Mônica, na Califórnia, atravessa oito Estados norte-americanos. Anderson Rocha, do grupo Águias de Aço, fez dois trechos da rota, durante encontros de motociclistas em Daytona Beach (Daytona Bike Week) e Sturgis (Moto Sturgis).
“Estamos vivendo um momento de expansão do mototurismo no Brasil e queremos posicionar Minas no segmento”, afirma Rocha, que lançou em 2018 a Rota Capitão Senra, um trajeto de 150 km pela AMG–160, que liga a BR–040 ao distrito nova-limense de São Sebastião das Águas Claras, conhecido como “Macacos”, passando pelo Parque Estadual da Serra do Rola-Moça e pelo Inhotim, em Brumadinho. O nome da rota é uma homenagem ao oficial do Exército José Senra, um colecionador das famigeradas motos Harley-Davidson.
Vem de Moto!
Em junho, a Associação Circuito Turístico das Grutas (IGR Grutas) lançou a rota Vem de Moto!, com a proposta de promover os atrativos, entre grutas, museus, gastronomia, parques e turismo de aventura, de 15 cidades que integram o circuito. A rota está originando uma websérie no canal MG Motos do YouTube. Para Rocha, a Vem de Moto! é uma forma de despertar o poder público para o potencial do mototurismo em Minas.
“Minas Gerais tem a maior malha rodoviária do país, um dos pré-requisitos para o mototurismo. E, além disso, ressalta Anderson Rocha, todo mundo que cruza o país de norte a sul tem que passar por Minas. No Estado, outros dois roteiros ainda se destacam entre mais procurados no país por mototuristas: a Estrada Real e a serra da Canastra, ao lado da serra do Rio do Rastro (SC), serra do Macaco (SP) e Estrada da Graciosa (PR).
Capital Moto Week
Eventos também fortalecem o mototurismo no país, como o Bike Fest, que reúne mais de 20 mil pessoas em Tiradentes. “Só de o motociclista sair do local de origem e vir até Tiradentes já está fazendo turismo”, destaca Rocha. No entanto, o maior evento do gênero no país acontece no dia 23/7, em Brasília (DF). Na 20ª edição, o Capital Moto Week deve reunir cerca de 800 mil pessoas, 1.800 motoclubes e 39 mil motociclistas do país e exterior.
Além dos eventos, outro impulsionador do mototurismo são operadoras que oferecem roteiros como a Rota Brasil Mototurismo. Luciano Peixoto, diretor da operadora, operadora que comercializa pacotes de mototurismo, lamenta que o brasileiro só procure roteiros no exterior. Nesse quesito, a Rota 66 é uma das campeãs em procura. “Minas Gerais tem uma oferta absurda de vias de acesso, cultura, paisagens e gastronomia, ingredientes perfeitos para a prática do mototurismo”, enfatiza. No Brasil, a procura recai sobre a serra do Rio do Rastro (SC).
“Esse é o pior roteiro para o motociclista devido às curvas perigosas, mas muita gente insiste em percorrê-la. É um destino fora da curva, mesmo no inverno”, afirma Peixoto. Atualmente, a Rota Brasil oferece quatro roteiros de mototurismo: a Rota Intercultural (PR/SC), a Rota dos Museus (de Socorro a Tiradentes), a Rota da Serra Catarinense (tendo como destino a serra do Rio do Rastro) e percursos de um/dois dias a partir de Socorro (SP).
O conceito da Rota Brasil são percursos cênicos, que oferecem, além de paisagens arrebatadoras, cultura e boa gastronomia. Os roteiros normalmente desviam-se de rodovias asfaltadas para pegar estradas de terra e por entre as montanhas. Um dos mais procurados, a Rota dos Museus parte do Centro Cultural Movimento Socorro, museu que resgata a história da motocicleta e da bicicleta no país, e vai até o Museu da Moto, em Tiradentes.
A melhor parte da viagem não é apenas o percurso, mas toda a experiência que o viajante encontra pela frente. Na Rota dos Museus, o mototurista visita uma fábrica de laticínios em Bueno Brandão, almoça em Campos do Jordão, hospeda-se em bons hotéis, para em mirante no Parque Nacional Itatiaia, visitas alambiques, monumentos históricos e museus, além de fazer um agradável passeio de maria-fumaça de Tiradentes a São João del-Rei.
O pacote de 1.431 km, passando por três Estados (SP, MG e RJ), inclui hospedagem com café da manhã, cinco almoços e cinco jantares, transfers em van, carro de apoio, dois guias em motos, sendo o primeiro socorrista, um assistente geral na garupa para captação de imagens, pedágios e estacionamentos, ingressos para museus e para o passeio de trem, seguro-saúde com cobertura de R$ 50 mil, inclusive para Covid-19, e kit viagem.
O preço não é baixo: a partir de R$ 11.552 o casal. “Estamos falando de um roteiro de luxo, com bons hotéis, muitos serviços e detalhes. É para um cliente classe A, que tem moto de 1.200 cc, que está disposto a pagar e dá, inclusive, gorjetas”, explica Luciano Peixoto. Mas há também programas para outros tipos de público: o pequeno empresário com moto de 500 cc e que paga 40% desse valor e motociclistas dispostos a desembolsar até R$ 300, fazendo percursos de um ou dois dias de até 200 km, mas sem alimentação e hospedagem.
Destino Duas Rodas
Além dos roteiros, a Rota Brasil trabalha em outras duas frentes: presta consultoria para o motociclista que não se interessa em contratar pacote e gosta de pegar a estrada sozinho e para destinos que queiram montar suas próprias rotas cênicas. O exemplo é Socorro, mais cohecida como “capital da aventura” no país, que lançou em 2019, em parceria com a operadora, o projeto Socorro, Destino Duas Rodas, no qual ciclistas e motociclistas são convidados a desfrutar das belezas da serra da Mantiqueira, percorrendo caminhos aonde muitas vezes os carros não podem ir. São 1.300 km de trilhas rurais, em estrada de terra.
Luciano Peixoto que tem um programa no YouTube, “Motorrad Experience”, já se prepara para lançar rotas similares à de Socorro no município de Serra Negra (SP), no Circuito das Águas Paulista e na região serrana do Estado do Rio. E já prepara para alçar voos fora do Brasil, criando a primeira rota internacional, passando pelos países ibéricos (Portugal e Espanha).
Na estrada
Estefânia do Vale Moura (Instagram/Forasteira.Estradeira), 45, não se enquadra em nenhum desses tipos. Considera-se uma nômade que vive percorrendo as estradas do Brasil e aproveitando para fazer desafios motociclísticos dos Fazedores da Chuva. “A moto é um modo de vida, uma paixão, uma extensão do próprio corpo. Viajar de moto é uma sensação indescritível, inexplicável”, afirma. Entre os motociclistas, a terapeuta, professora de dança e dançarina é conhecida como “forasteira” ou “a menina da Intruder”, referência à marca da primeira e única moto.
“O apelido vem de uma paixão de infância pelos faroestes”, conta. Forasteira, como gosta de ser chamada, substituiu cavalo pela moto. “Com meu cavalo de ferro, hoje sou uma verdadeira forasteira”, brinca. A motociclista – que pilotou moto pela primeira vez aos 15 anos – diz que não se enquadra em nenhum grupo de motoclubismo, mas faz parte de um coletivo internacional de mulheres, The Litas, de Nova Lima. “Pelos lugares que já passei, BH é o que tem mais mulheres motociclistas e motoclubes femininos”, destaca.
Se ainda jovem, como mochileira, Forasteira já colocava o pé na estrada, agora ela desbrava vários Estados sobre duas rodas. Quando voltou para BH, sua terra natal, fez a expedição Do Uai ao Chuí. No momento, ela está percorrendo Estados do Nordeste e Norte do país pela BR–101. “Estou no 16º Estado e pretendo percorrer todos”, desafia-se. Todas essas experiências pelas rodovias brasileiras ela pretende futuramente narrar em um livro. Forasteira também é hoje a embaixadora da Rota Capitão Senra.
Os museus
Museu da Moto (Tiradentes): uma moto fabricada na Bélgica em 1909 e que possui sidecar em vime é o exemplar mais antigo do Museu da Moto, localizado na histórica cidade mineira de Tiradentes. Ele conta um pouco de um século de história dos veículos de duas rodas, através de 115 exemplares de 54 marcas, originários de 18 países. A coleção reúne mais de 80 modelos. A belga FN com 1,5 cv de potência, de 1909, por exemplo, é considerada o modelo mais antigo do Brasil. Acesse Museu da Moto.
Centro Cultural Movimento (Socorro): o município, que fica a cerca de 150 quilômetros da capital paulista, tem um museu que resgata a história da motocicleta e da bicicleta no Brasil. Sediado na antiga Estação Ferroviária, os visitantes podem conferir de perto – em exposições permanentes e temporárias – inúmeros modelos de motos e bikes lançadas no país ao longo dos últimos 120 anos. O Centro Cultural Movimento é resultado de uma parceria público-privada (PPP) e integra o programa Socorro Destino Duas Rodas, lançado ainda em 2019 com o objetivo de promover o mototurismo e o biketurismo na cidade paulista.