No contexto atual de crise climática e crescimento alarmante de doenças crônicas como obesidade, diabetes e insegurança alimentar – quais têm sido as escolhas estratégicas do país? A reforma tributária segue em discussão no Congresso Nacional, e é uma oportunidade para analisar que setores econômicos – e qual sistema alimentar – têm sido favorecidos pela atual política tributária. A resposta parece fácil: a produção de commodities, como a soja, é incentivada e favorecida, a despeito da produção da comida de verdade – como arroz, feijão, frutas, verduras e legumes. No nível federal, a renúncia fiscal estimada para produção da soja foi de R$57 bilhões em 2022, o dobro da desoneração prevista para os produtos da cesta básica. Esta é uma das conclusões de um estudo elaborado pelo economista Arnoldo de Campos em parceria com ACT Promoção da Saúde, Instituto de Democracia e Sustentabilidade (IDS), ÓSocioBio, Idec, WWF-Brasil e ISPN, e que está disponível para download gratuito aqui.
Analisando a renúncia fiscal no âmbito dos estados, o estudo mostra que, apenas em Mato Grosso, a desoneração do ICMS da soja é de quase R$8 bilhões por ano. “É seguro supor que outros estados produtores têm níveis de desoneração semelhantes, o que permite estimar, em um cálculo grosseiro, que a desoneração dos estados pode chegar perto de R$ 25 bilhões, uma vez que Mato Grosso responde por 1/3 da produção nacional”, destaca o relatório.
Evolução da soja: a que custo?
A evolução da cultura da soja no país, segundo o estudo, é resultado de uma estratégia e de um planejamento bem-sucedido do Estado brasileiro, que definiu por implementar um modelo de produção e agroindustrialização baseado em grandes monoculturas e indústrias, com ênfase nas exportações de commodities, lançando mão de instrumentos de políticas públicas e parcerias com o setor privado, que colocaram o país entre os maiores produtores e exportadores de commodities agrícolas e alimentos do mundo.
Com todo esse apoio e oportunidades, o levantamento mostra que a produção de soja vem crescendo de maneira ininterrupta ao longo das últimas décadas no Brasil, alavancada por pesados investimentos públicos e privados, desenvolvimento tecnológico e educação profissional, orientação técnica, viabilização de infraestruturas de todo o tipo e pela crescente demanda do mercado internacional. O estudo mostra que, nos últimos 30 anos, a cultura da soja ampliou a área de cultivo em mais de 30 milhões de hectares, sendo a principal responsável pela expansão das áreas de cultivo no país. “Nenhuma outra cultura relevante para o sistema alimentar experimentou tal desempenho”, ressalta o relatório.
Quais produções queremos incentivar?
“Nosso objetivo é demonstrar como a política tributária, juntamente com outras políticas públicas, privilegiou a produção da soja em detrimento de outras alternativas necessárias à segurança alimentar da população brasileira, acarretando imensas renúncias fiscais e custos ambientais. Também buscamos refletir sobre o papel que a Reforma Tributária pode ter diante das múltiplas crises de saúde pública, perda de biodiversidade e emergência climática que vivemos”, afirma o texto de apresentação da publicação.
Temos uma grande oportunidade de repensar prioridades, considerando o enfrentamento à fome com alimentos de verdade, que previnem doenças, produzidos de modo sustentável. Esperamos que essas informações contribuam para uma mudança de rota, e que tenhamos um país mais saudável, solidário e sustentável, conectado às atuais demandas da população brasileira e mundial. Podemos e queremos fazer melhor.