Paraná já foi o maior produtor de café do Brasil. Atualmente, com cuidados na lavoura e nos processos pós-colheita, produtores locais conseguem produzir grãos especiais reconhecidos nacionalmente. Em 2012, o INPI concedeu certificação a 45 municípios da região.
Desde a chegada de agricultores paulistas no final do século XIX para plantar café no Norte do Estado, o Paraná se consolidou como um tradicional produtor do grão no País, a ponto de liderar a colheita nacional do produto nos anos 60. Com o passar dos anos, a relação do Estado com a cafeicultura mudou. O Paraná passou a ser reconhecido não pela quantidade da produção, mas pela qualidade do seu café.
Um dos primeiros marcos deste novo momento foi a certificação de Identificação Geográfica (IG) concedida em 2012 pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) aos produtores de cafés especiais de 45 municípios do Norte Pioneiro. Com a adoção de processos que garantem a rastreabilidade e a qualidade do produto, o café da região vem ganhando mercado nas cafeterias especiais e prêmios em concursos regionais e nacionais.
“O Paraná chegou a ser um dos maiores produtores de café do mundo décadas atrás. Mas não era reconhecido por ter um bom produto quando era comparado a outras regiões. Agora é o contrário. Temos uma produção muito menor em volume, mas que fornece um sabor único, de qualidade muito maior”, explicou o produtor e presidente da Associação dos Produtores de Cafés Especiais da Lavrinha de Tomazina, Jonas da Silva.
Para isso, os agricultores locais tiveram que adotar novas técnicas de produção, além dos processos de rastreabilidade exigidos pela Indicação Geográfica. Uma delas é a colheita do café ainda no pé, ao invés do café caído no chão. Outra é o processo mais alongado de secagem do grão em terreiros solares, que podem levar até 20 dias. As técnicas permitem uma melhor maturação do grão, proporcionando mais sabor à bebida.
“Nos anos 60, quando liderava a produção nacional, Paraná era produtor de um café normal. Os processos associados à IG vieram para mostrar que produzimos cafés tão bons quanto os colombianos, que são uma referência mundial nesta atividade”, afirmou o presidente da Associação de Cafés Especiais do Norte Pioneiro do Paraná (Acenpp), Paulo Frasquetti.
O trabalho dos agricultores locais se soma às características geográficas da região, ideais para a produção de cafés especiais. O Norte Pioneiro alia uma boa altitude, a mais de 500 metros do nível do mar, a temperaturas médias que variam de 19ºC a 22ºC ao longo do ano, o que também impacta no sabor do café.
“O Norte Pioneiro está no extremo sul cafeeiro do mundo. Essa variação de temperatura dá uma qualidade diferenciada ao café da região, com um ciclo completo de maturação na produção do grão desde a florada. Isso resulta em um grão maior, uma bebida mais doce e mais encorpada, com uma acidez cítrica mais acentuada”, disse Frasquetti.
MUDANÇA DE PERFIL – A mudança de perfil na produção paranaense começou a partir de um evento trágico, a Geada Negra de 1975, que devastou as plantações de café de todo o Estado. De um ano para o outro, milhares de agricultores deixaram a região ou mudaram a cultura que trabalhavam. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a área colhida de café no Estado caiu de 942 mil hectares para 3 mil hectares logo após a geada.
Atualmente, em média, cada safra paranaense conta com 30 mil hectares de café colhidos, o que representa a quinta maior área do Brasil destinada à cafeicultura. De acordo com o Departamento de Economia Rural, 69% das plantações estão no Norte Pioneiro e 90% delas estão em propriedades de pequenos agricultores ou agricultores familiares.
“Quem permaneceu com o café foram os pequenos. A produção de café especial, com todos os cuidados que ela requer, acabou se tornando uma forma destas famílias agregarem valor ao produto”, afirmou o produtor Jonas da Silva.
Em média, uma saca de 30 kg de café especial é negociada a um valor 70% superior da saca de café tradicional. Dependendo da qualidade do lote, no entanto, o preço de comercialização pode ser maior do que o dobro do tradicional.
Os maiores valores são alcançados em leilões realizados nos concursos que avaliam a qualidade dos lotes. Nestes eventos, as sacas de 30 kg chegam a ser negociadas por mais de R$ 1,9 mil. Para chegar a este valor, os produtores precisam que todos os processos de produção sejam impecáveis, desde o plantio até a torra do grão.
“Esse trabalho começa desde a flor do café, passando pela pulverização e período pós-colheita. São oito meses de cuidado. Quanto mais lentos forem estas etapas, melhor, porque o café passa por um processo de maturação que dá mais sabor ao grão”, explicou o produtor Agnaldo Peres, de Tomazina, que já venceu prêmios regionais com seus cafés especiais.
Nos concursos, além dos processos produtivos, os degustadores avaliam as características da bebida pronta. Os cafés recebem notas de 0 a 100 e aqueles que recebem avaliação superior a 80 podem ser considerados cafés especiais.
“É feita uma análise sensorial para atribuição de valores em relação a acidez, ao corpo e ao aroma do café, por exemplo. Aqui no Norte Pioneiro, já provamos cafés com 87 pontos, que são balizados como os melhores cafés do Brasil”, explicou o produtor Jonas da Silva, que também é certificado internacionalmente para realizar degustações e fazer as avaliações.
Segundo a produtora premiada Rafaela Mazzottini Silva, de Tomazina, o café do Norte Pioneiro é reconhecido nas competições pelas notas de sabor achocolatadas, o que o diferencia dos concorrentes. “São sabores marcantes, que se assemelham ao chocolate, com notas de caramelo e castanhas, que são muito presentes aqui. Todo este processo de produção natural também faz com que ele tenha um sabor mais frutado que o café tradicional”, disse.
MULHERES DO CAFÉ – Outro diferencial da região do Norte Pioneiro é o projeto Mulheres do Café, do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR). Desde 2013, o órgão reúne produtoras da região para incentivar o protagonismo feminino na produção familiar. O projeto conta com um trabalho multidisciplinar para orientar as produtoras a se envolver nos processos produtivos, a desenvolver técnicas de cultivo e a liderar a comercialização da colheita.
De acordo com a extensionista do IDR-PR, Cíntia Mara Lopes, o grupo reúne mais de 250 mulheres espalhadas em 14 municípios do Norte Pioneiro. “Como resultado, a gente conseguiu dar mais visibilidade e valorizar o trabalho feminino. As mulheres hoje ocupam um papel de protagonismo e liderança nesta atividade”, disse. “Outro resultado bastante significativo são as relações comerciais bem estabelecidas. Elas são treinadas para conseguir impor relações comerciais justas com cafeterias, torrefações, exportadoras, gerando mais renda para a família”.
Após uma década de trabalho, atualmente, mais da metade das inscrições nos prêmios regionais de café são feitas por produtoras mulheres, segundo o IDR-PR. Além disso, o envolvimento do trabalho feminino acaba sendo um diferencial comercial. “Da mesma forma que os clientes valorizam um produto com Indicação Geográfica, por poderem acompanhar a procedência do produto, o mercado também tem valorizado os produtos que se preocupam com a visibilidade feminina”, disse a extensionista.
Entre as produtoras participantes do projeto está Sirlene Soares dos Santos Souza, de Pinhalão. Desde que passou a fazer parte do projeto e a aplicar as técnicas para produção de cafés especiais, ela já foi premiada cinco vezes em concursos regionais e nacionais. “Este projeto trouxe muita visibilidade para o nosso sítio. Com as orientações, nós também conseguimos produzir cafés espetaculares”, contou.
CADEIA PRODUTIVA – Segundo o Deral, o Valor Bruto da Produção (VBP) do café do Paraná em 2022 foi de R$ 486 milhões. Apenas nos municípios do Norte Pioneiro, o VBP da cultura foi de R$ 340 milhões, o que dá a dimensão da importância da cafeicultura na região. Nas propriedades que utilizam técnicas de rastreabilidade, a produção de cafés especiais representa de 10% a 70% da colheita total do grão, a depender das condições climáticas.
Mas, mais do que isso, a cultura do café movimenta outras cadeias produtivas, que aproveitam a tradição cafeeira do Norte Pioneiro para diferenciar seus produtos no mercado. É o caso do produtor de queijos artesanais Leomar Martins.
Depois de anos de experiência na vida corporativa, Leomar começou a produzir queijos em 2017 na cozinha de casa, na propriedade rural da família em Santana do Itararé. Ao participar de uma competição, o produtor notou que produtos com misturas criativas chamavam a atenção dos jurados. “Estava em Araxá, em Minas Gerais, e vi muitos queijos elaborados. Como sou curioso, me veio a ideia de tentar fazer um queijo com café, que é um produto típico aqui da região”, contou.
Nas semanas seguintes, Leomar testou 39 cafés em um de seus queijos artesanais. Cinco deles, segundo ele, deram certo. Ele inscreveu um deles, batizado de Maná Concafé, em um concurso internacional na França, onde recebeu a medalha de prata na categoria “Casca Lavada – Cura de 30 Dias”.
Atualmente, o queijeiro aperfeiçoou a receita e passou a usar um café especial feito pelo projeto do Café das Mulheres. O pó é aplicado ao redor do queijo para o período de maturação, o que dá um leve sabor de café na degustação do produto. “Nós produzimos queijo. Então é uma receita feita para você lembrar, de leve, o sabor do café. O resultado final é um produto que tem a marca do Norte Pioneiro”, completou.
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