Escrevi neste espaço, há mais de um mês, que a delação do dono do Banco Master, Daniel Vorcaro, teria potencial destrutivo tão grande quanto a do tenente-coronel Mauro Cid, assessor para assuntos aleatórios de Jair Bolsonaro, fundamental na condenação dele, de generais estrelados e demais comparsas pela tentativa de golpe. Faço agora uma correção: o potencial é muito maior. Mas avisei que não seria tarefa fácil porque o sistema, que é bruto, não deixaria isso acontecer facilmente.
Neste momento, é admirável o esforço de membros de instituições da República que deveriam zelar pela coisa pública agindo para facilitar a vida de Vorcaro, o que pode livrá-lo de ser responsabilizado por crimes e, portanto, de uma delação premiada que levaria o Brasil a discutir como o dinheiro dita o poder.
O ministro Dias Toffoli baixando um inexplicável sigilo no inquérito e agindo mais como investigador não como magistrado ao tentar forçar acareação fora de hora é um exemplo, mas não o único. Teme-se que o Tribunal de Contas da União pode também dar seus salamaleques, questionando a liquidação do Master pelo Banco Central.
A delação de Cid atingiu um pedaço específico do andar de cima: o bolsonarismo radicalizado, civil e fardado. Já o caso do banco Master é de outra natureza. Ele mexe com a única coisa que consegue colocar no mesmo balaio, centrão, Faria Lima, governadores bolsonaristas, STF: dinheiro. Muito dinheiro.
E como escrevi ontem, um crime dessa magnitude não se sustenta sem apoio político. Vorcaro e sócios construíram amizades em um espectro ideológico amplo, da direita à esquerda.
Muito se fala (e é importante que se fale) do contrato milionário da esposa do ministro Alexandre de Moraes com o banco. Mas tem gente que aproveitou todo o bafafá envolvendo o STF para submergir na mídia.
Por exemplo, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) é apontado por ter atuado nos bastidores contra uma CPMI que investigaria o Master, mas também pela aprovação de uma emenda à Constituição para aumentar a cobertura do Fundo Garantidor de Crédito de R$ 250 mil para R$ 1 milhão por CPF. Isso beneficiaria o Master, que estava escorando seus CDBs no fundo. O senador também apoiou a compra de ações do Master pelo estatal BRB, o que foi reprovado pelo Banco Central.
A compra do banco podre foi defendida com unhas e dentes pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), usando dinheiro público. E o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL) investiu cerca de R$ 1 bilhão no Master quando já era claro que a instituição era uma comédia. Era dinheiro de aposentadorias de professor com burnout, enfermeira que segura plantão triplo e gari que limpa rua alagada. Não são os únicos governadores tremendo nas bases.
Quanto ao Congresso Nacional, um poeminha para ficar mais fácil.
Banco Master era o banco Preferido do centrão. E isso hoje tira o sono Com medo da delação.
Ao contrário de Mauro Cid, que era de Jair, Vorcaro é de muitos. Uma possível delação estaciona o caminhão de explosivos na garagem do Congresso, mas não só lá. Ela pode apontar quem pressionou o Banco Central e governos estaduais para bancar com dinheiro público operações bilionárias com créditos podres. E se investigar a fundo, pode constranger mais gente, no governo, na oposição, no mercado.
Para evitar que ele cante como um canário, está em um curso uma operação abafa. Ou, como chamei ontem, há uma pizza assando no forno.
O Brasil forjou um sistema para transformar dinheiro público em privado. Portanto, há duas pizzas que não podem ser servidas para o bem do país: a dos amigos do Banco Master e a das emendas do Orçamento Secreto.
O julgamento de parlamentares acusados de desvios de dinheiro público começará no início de 2026 no STF. O potencial de rebosteio é enorme, porque muita gente transformou essa grana em caixa 2 e coquetel de camarão. Tanto que não são poucos no Congresso que sonham com uma marguerita na forma de impeachment do ministro Flávio Dino, que vem diligentemente cuidando dos casos.
Desvio de emendas parlamentares deveria ser, aliás, o tema que provoca discussões públicas acaloradas. Mas, por aqui, o grande problema de dezembro foram as Havaianas. Assim, assar pizza e adiar o apocalipse fica mais fácil.