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Discord: entre a socialização digital e os riscos para adolescentes
Discord: entre a socialização digital e os riscos para adolescentes
Por Administrador
Publicado em 22/10/2025 08:49
EDUCAÇÃO
Nudes, links de pornografia, assédio: o lado obscuro da rede social que virou ponto de encontro para comunidades e grupos de apoio emocional e tem 19 milhões de usuários no Brasil

Com mais de 200 milhões de usuários ativos por mês no mundo, o Discord deixou de ser apenas uma ferramenta de gamers para se transformar em uma das principais redes sociais entre adolescentes e jovens. Lançado em 2015, nos Estados Unidos, o aplicativo permite criar servidores, que são grupos de bate-papo organizados em canais de texto, voz e vídeo, e se tornou um espaço de encontro para comunidades diversas, de jogos a estudos, passando por música, debates políticos e até grupos de apoio emocional.

Com um público majoritário entre 18 e 34 anos, mais de 70% dos usuários estão em outros países. No Brasil, o Discord é um mercado em expansão: estima-se que haja cerca de 19 milhões de usuários ativos mensais, o que representa aproximadamente 5% do uso global da plataforma. Isso coloca o país como um dos principais mercados fora dos Estados Unidos.

Segundo a psicóloga Gabriela Jacobsen, especialista em juventude, violência e traumas, o que atrai os jovens é a sensação de pertencimento. “O Discord permite que o adolescente encontre pares com interesses comuns, algo muito importante nessa fase da vida. Mesmo sem conhecer a identidade real de quem está do outro lado, há uma busca por integração e identificação”, explica.

Crimes digitais, abusos, rituais de horror

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Sem regulação: Discord tem mais de 200 milhões de usuários ativos por mês, sendo 19 milhões só no Brasil

Foto: Igor Sperotto

Nos últimos anos, diferentes operações policiais no Brasil escancararam como o Discord vem sendo usado para a prática de crimes digitais e abusos contra crianças e adolescentes. Em 2023, a Operação Dark Room prendeu oito suspeitos, incluindo menores de idade, que promoviam estupro virtual, pornografia infantil e rituais de crueldade com animais dentro da plataforma.

Já em 2025, a Polícia Civil de São Paulo deflagrou uma ação nacional que identificou 400 vítimas de estupro virtual em servidores de Discord e resultou na apreensão de oito adolescentes envolvidos. Neste ano, a Operação Adolescência Segura, coordenada pelo Ministério da Justiça, mirou dezenas de investigados que espalhavam pornografia infantil, apologia ao nazismo e desafios de automutilação em grupos fechados. Esses casos demonstram que, apesar da aparência de um espaço voltado a jogos e comunidades on-line, a ausência de fiscalização transforma essa plataforma em terreno fértil para redes criminosas altamente organizadas.

Entre apoio e vulnerabilidade

A experiência de Rebeca Dias, hoje com 19 anos, mostra bem os dois lados do Discord. Ela conta que entrou em um servidor de desabafos quando tinha 16 anos, em um período em que se sentia deprimida. Ali, encontrou apoio, chegou a fazer amigos e até compartilhou poesias, que eram bem recebidas pela comunidade. Mas também enfrentou situações delicadas: mensagens agressivas, assédio e até o envio de conteúdos impróprios. “Do nada, pessoas me mandavam nudes ou links de pornografia. Eu ficava preocupada porque sabia que havia gente mais jovem ainda nesses espaços”, recorda.

O relato acende um alerta. Embora o Discord tenha regras contra assédio e pornografia infantil, a moderação depende dos administradores de cada servidor, o que deixa brechas para abusos. “O risco psicológico não é exclusivo do Discord, mas o aplicativo tem falhas de segurança e fiscalização. Sem supervisão, adolescentes podem ser expostos à violência digital e manipulação”, aponta Jacobsen.

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“Os jovens precisam se sentir acolhidos e não apenas vigiados”, alerta a psicóloga Gabriela Jacobsen

Foto: Acervo Pessoal

Riscos

Estudos já relacionam o uso excessivo de redes sociais a sintomas de ansiedade, depressão e déficit de atenção. Para a psicóloga, os sinais que pais e professores devem observar incluem mudanças bruscas de comportamento, isolamento social, agressividade ou tristeza persistente.

Outro ponto sensível é a hiperconectividade. “Um uso saudável é aquele que consegue ser equilibrado com outras tarefas, como escola, vida social presencial e autocuidado. Já no uso excessivo, vemos queda no desempenho escolar, isolamento e abandono de rotinas básicas”, argumenta.

O papel da escola e da família

A especialista reforça que o diálogo é a principal ferramenta de prevenção. “O controle parental pode ajudar, mas não substitui a conversa aberta, adaptada à idade, em linguagem clara e dinâmica. Os jovens precisam se sentir acolhidos e não apenas vigiados”, afirma.

A escola também tem responsabilidade. Para Gabriela Jacobsen, é importante que o tema da educação digital seja tratado em sala de aula e que haja parceria com as famílias para identificar mudanças no comportamento dos alunos.

Rebeca, por sua vez, reitera que a supervisão tem que ser equilibrada: “Os pais não devem exagerar a ponto de perder a confiança dos filhos, mas precisam acompanhar. Conversar sobre riscos, mostrar exemplos e, se necessário, dar uma olhada no celular pode evitar muitos problemas”.

Caminhos

 

Discord_entre a socialização digital e os riscos para adolescentes_3Foto: Freepik

Apesar dos perigos, o Discord também pode ser um espaço de trocas positivas. Há servidores dedicados a estudos, leitura, arte e até apoio psicológico voluntário, em que jovens encontram estímulos criativos e vínculos construtivos.

 

Para um uso mais seguro, especialistas indicam, por exemplo, configurações de privacidade: desabilitar mensagens diretas de desconhecidos e filtrar conteúdo explícito; moderação responsável: escolher servidores com regras claras e administradores ativos; equilíbrio de tempo: estabelecer limites de uso e priorizar também relações presenciais; diálogo constante: pais e professores devem estar disponíveis para ouvir, sem julgamentos.

Um espaço a ser disputado

O Discord é, ao mesmo tempo, espaço de acolhimento e vulnerabilidade. Para a psicóloga, cabe à sociedade disputar seu uso. “É uma via de mão dupla: as famílias e escolas precisam orientar, e as plataformas devem investir mais em segurança para proteger os menores”, resume Jacobsen.

Rebeca concorda, mas alerta: “O Discord não é só mil maravilhas. Tem gente incrível, mas também pessoas mal-intencionadas. Por isso, todo cuidado é pouco”.

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