

Agora até o mercado duvida das bravatas comerciais de Trump.
// Tribunal dos EUA derruba tarifas de Trump e expõe os limites do autoritarismo comercial
Na quarta-feira, 28 de maio de 2025, o Tribunal de Comércio Internacional dos Estados Unidos anulou boa parte das tarifas globais impostas por Donald Trump em seu segundo mandato. A corte foi unânime: Trump ultrapassou os limites da autoridade presidencial. E fez isso num cenário tenso, de embate constante com o Congresso, marcado pelo uso excessivo de decretos para contornar obstáculos legislativos. A aposta foi na IEEPA — uma lei da era da Guerra Fria — usada como justificativa para impor tarifas sob o pretexto de emergência econômica. Mas o tribunal foi claro: essa legislação não dá carta branca para criar barreiras comerciais de forma unilateral.
/ O que foi decidido
Caíram as tarifas de 10% sobre a maioria dos produtos importados, e as específicas: 25% sobre produtos vindos do México e Canadá, e 20% sobre os da China. Trump alegava emergência nacional, citando déficit comercial e tráfico de fentanil. Só que a IEEPA, segundo os juízes, não se aplica a esse tipo de situação. Trump transformou a IEEPA num canivete suíço — só que a corte devolveu o instrumento à sua caixa. Ela foi feita para crises externas reais, não para guerras comerciais de ocasião.
A decisão não mexe nas tarifas sobre automóveis, aço e alumínio, que se baseiam em outra lei (Seção 232 da Lei de Expansão Comercial). O governo Trump já disse que vai recorrer. O caso pode bater às portas da Suprema Corte.
/ Repercussões econômicas
O mercado gostou. Muito. Walmart, Target, Apple, Ford — empresas que dependem de importação — tiveram ações em alta com a perspectiva de preços menores. Os índices futuros reagiram: Dow Jones subiu quase 500 pontos, S\&P 500 e Nasdaq avançaram 1,4% e 1,6%, respectivamente. Estados e empresas prejudicados pelas tarifas viram na decisão uma restauração do Estado de Direito.
/Implicações políticas
Trump saiu desmoralizado. A decisão expõe seus limites diante da estrutura institucional dos EUA. Para um eleitorado rachado entre nacionalismo e legalismo, o episódio vira termômetro. Sua narrativa de força econômica perde tração.
O golpe é duro. A retórica do "defensor da indústria nacional" se enfraquece. Já seus adversários têm munição: mostram Trump como alguém que força decretos, atropela leis e se coloca acima da Constituição. A decisão ressalta os limites do poder presidencial em matéria comercial e reacende o debate sobre até onde um presidente pode ir sob o argumento de emergência nacional.
/ Fecho editorial
O pseudo-nacionalismo de Trump vinha levando a economia dos EUA a um desgaste visível — e, objetivamente, abalava a confiança global na potência. Mesmo com a decisão do tribunal, a imagem de previsibilidade da economia estadunidense saiu marcada. Fica evidente que a base da confiança no dólar está sujeita à instabilidade provocada por líderes populistas. A marca ficou. E a cicatriz está visível: o mundo percebeu que até a mais consolidada das economias pode vacilar diante de um discurso de força mal ensaiado.
O tribunal deixou um recado: nem o presidente está acima da lei. A anulação das tarifas mostra que o equilíbrio entre os poderes ainda conta. E reafirma o papel do Congresso como contrapeso institucional indispensável diante de impulsos autoritários. Como já aconteceu nos anos 1980, quando o Congresso limitou ações unilaterais no caso do Irã, o Legislativo precisa ser parte ativa do jogo. Medidas como essas só têm legitimidade quando passam pelo crivo democrático e não por decretos de ocasião.
A disputa tarifária virou teste de autoridade. E o resultado foi um veto institucional ao populismo de mercado. A decisão do tribunal contra Trump acaba, assim, desanimando os entusiastas de um colapso para o fortalecimento do Sul Global. A manutenção das tarifas poderia fortalecer o ímpeto de ruptura, impulsionando setores estratégicos do BRICS a defender uma nova ordem econômica baseada na autonomia cambial e na diversificação comercial. Mas, com as tarifas desmontadas, esses mesmos setores — conservadores por natureza — tendem a preferir a previsibilidade do dólar como lastro, adiando qualquer aposta mais ousada por uma multipolaridade real.
No fim, o tribunal conteve o estrago. Mas o episódio serviu de lembrete: a hegemonia econômica não é blindada — ela respira pelas fissuras da política.
/ Caminhos para o Brasil
O Brasil tem agora uma brecha geopolítica e histórica. A cicatriz que se abriu na confiança internacional no dólar mostra que a centralidade estadunidense já não é intocável. Mas essa desordem não garante, por si, uma nova ordem. Exige estratégia.
O país pode começar pela desdolarização parcial de suas reservas e acordos bilaterais em moeda própria com parceiros do Sul Global — como já ensaiam China e Rússia. Pode reforçar os laços do BRICS com projetos conjuntos de infraestrutura, tecnologia e energia, que não passem pelos bancos ocidentais. E precisa, sobretudo, romper com a mentalidade colonial de subordinação financeira e diplomática.
Enquanto isso, elites empresariais seguem atreladas à lógica do dólar e da previsibilidade do Norte. Cabe ao Estado — se quiser ter projeto — liderar a construção de uma soberania real. Que não dependa da oscilação de humor das bolsas em Nova York.