Em meio à alta dos combustíveis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu nessa segunda-feira (17) a venda direta de gasolina e diesel aos consumidores. Na teoria, a medida, que visa diminuir o preço dos produtos, autorizaria produtores e importadores a vender combustível diretamente aos postos. Especialistas ouvidos pelo R7 entendem, no entanto, que a medida poderia enfrentar alguns desafios pela Petrobras, como maior demanda de investimentos, questões regulatórias e contratuais, além da possível sobrecarga da capacidade operacional da estatal.
Em 2019, a BR Distribuidora (atual Vibra) foi privatizada, gerando alterações na dinâmica do mercado de distribuição de combustíveis no país, o que também pode comprometer uma eventual implementação da medida. Apesar das possíveis dificuldades, a falta de intermediação dos distribuidores poderia, em teoria, diminuir os custos operacionais e logísticos, refletindo em preços mais baixos nas bombas.
Durante agenda em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, Lula criticou os empresários donos de postos de combustíveis pelos altos preços cobrados e defendeu transparência nas informações para o povo poder fazer “juízo de valores” na questão.
“O povo não sabe que a gasolina sai da Petrobras a R$ 3,04. Na bomba é vendida a R$ 6,49. Ou seja, é vendida pelo dobro. Cada estado e cada posto tem liberdade de aumentar na hora que quer. E os impostos pagos são do ICMS, que vão para os estados. E o diesel sai da Petrobras a R$ 3,77. O cara vai encher o taque do carro e paga R$ 6,20 o litro”, disse Lula.
Para o economista Hugo Garbe, a redução de intermediários na cadeia de distribuição poderia resultar em preços mais competitivos para o consumidor. A diferença nos valores é atribuída aos custos adicionais acumulados ao longo da cadeia de distribuição, incluindo margens de lucro dos distribuidores e revendedores, além de impostos.
Entretanto, o analista explica que para que a redução depende de diversos fatores, entre eles logísticos e financeiros. “A efetividade dessa medida na redução de preços depende de fatores como a capacidade da Petrobras em gerenciar a logística de distribuição direta e a reação do mercado a essa mudança estrutural. Além disso, a concorrência no setor de distribuição desempenha um papel crucial na formação de preços, e a eliminação de intermediários não garante, por si só, a redução dos valores para o consumidor final”, disse.
Especialista em regulação e coordenador de energia na BMJ Consultores Associados, Vinícius Teixeira entende que a medida seria viável, apesar da resistência dos distribuidores, que controlam o mercado. A eventual mudança poderia vir via medida provisória ou por regulamentação da ANP (Agência Nacional do Petróleo), mas traria insegurança por ser uma norma frágil.
Teixeira explica que, devido à dificuldade na logística, a venda direta faria sentido para localidades específicas, não para a grande parte do consumo nacional. “Na prática, a parcela de combustível que seria abarcada na venda direta é baixa. Todo o sistema de combustíveis no país hoje se usa da estrutura da infraestrutura dos distribuidores. Para se operar a venda direta, teria que se operar por caminhões, e isso encareceria aquele volume movimentado. Em resumo, os distribuidores operam grandes volumes e, por isso, têm escala”, completa.
Impostos e beneficiários
A venda direta pela Petrobras poderia alterar a dinâmica de arrecadação dos impostos de combustíveis, especialmente no que se diz respeito ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Segundo Garbe, mudanças na forma de distribuição podem exigir ajustes na legislação tributária para redefinir os responsáveis pelo recolhimento dos impostos em cada etapa.
“A redução de intermediários não necessariamente implica na diminuição da carga tributária, uma vez que os impostos representam uma parcela significativa do preço final dos combustíveis. Portanto, para que haja uma redução efetiva nos preços ao consumidor, seria necessário considerar também uma revisão na política tributária aplicada ao setor de combustíveis”, explica.
Teixeira opina que o principal ganho seria “retórico” ao governo. “A própria Petrobras não tem esse foco, ela está focada na venda direta dos seus produtos de baixo carbono, como o coprocessado e o bunker. Ela vendeu a BR Distribuidora recentemente, não tem interesse em movimentar esse mercado”, comenta.
Em 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi autorizada a venda direta de etanol para os postos de combustíveis, desobrigando produtores de comercializar com o mercado varejista por meio das distribuidoras. Na época, o então presidente vetou os dispositivos que tratavam da venda direta e estendiam essa permissão para as cooperativas produtoras ou comercializadoras de etanol.
O texto legal também trazia mudanças nas regras tributárias federais, como as que tratavam da cobrança do Cofins, PIS e Pasep. “Foi sancionada a parte do Projeto de Lei que muda a sistemática de cobrança do PIS/Cofins para evitar perda de arrecadação e distorções competitivas, tanto ao importador, caso exerça função de distribuidor, quanto ao revendedor varejista que fizer a importação, os quais deverão pagar as respectivas alíquotas de PIS/Cofins devidas”, explicou o governo na ocasião.