São estudantes como Judson Marcolino, de 63 anos, que concluiu o Ensino Médio em julho no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos, o Ceebja Paulo Freire, em Curitiba. Ele esperou a aposentadoria, aos 61 anos, para voltar a estudar e realizar o sonho de fazer faculdade de História.
As questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já são desafiadoras para os estudantes na faixa etária dos 17 e 18 anos. O que dizer, então, para quem esteve por duas, três décadas longe dos bancos escolares? É por isso que alunos e ex-alunos da rede estadual de educação do Paraná que já passaram dos 50 anos reforçam o trabalho de revisão do conteúdo, principalmente entre a primeira e segunda fase do exame, na tentativa de competir de igual para igual em uma prova de fogo até o próximo passo: a universidade.
É o caso de Judson Marcolino, 63 anos, que concluiu o Ensino Médio em julho no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos, o Ceebja Paulo Freire, em Curitiba. Ele esperou a aposentadoria, aos 61 anos, para voltar a estudar na esperança de ter bom desempenho na prova do Enem e realizar o sonho de fazer faculdade de História.
“Não consegui estudar até o Ensino Médio quando era jovem, porque precisei trabalhar e não tinha tempo hábil para a escola. Para mim, conhecimento é tudo. Tanto que dos 14 aos 16 anos fiz um curso profissionalizante, que me deu oportunidade de ter bons empregos e uma aposentadoria razoável”, relata.
Aos 51 anos, a dona de casa Marinalva Maria de Souza, que terminou o Ensino Médio no Ceebja de Londrina, Norte do Estado, conta que a primeira fase do Enem, no dia 3 de novembro, foi difícil, mas que deu o melhor de si. “O tema da redação que tratou dos desafios para valorização da herança africana no Brasil é bastante falado, mas a preocupação com o tempo, a ansiedade e um pouquinho de insegurança me atrapalharam um pouco”, relembra.
E não é para menos. Marinalva esteve por mais de 30 anos longe dos livros e cadernos. Abandonou cedo os estudos para se casar, mas a chama de aprender sempre esteve acesa dentro dela. “Sempre quis ser assistente social para cuidar de idosos e de dependentes químicos e minha família me incentivou a realizar esse desejo na maturidade. A Educação de Jovens e Adultos foi o caminho”, ressalta ela, que é avó zelosa e se divide entre os cuidados com a neta e as quatro horas diárias de estudo.
“A 'profe' aqui é só orgulho pela determinação da Marinalva, que está tendo dois desafios neste fim de ano: o Enem e o vestibular da Universidade Estadual de Londrina”, celebra a professora e incentivadora, Kátia Santos.
NÃO DESISTIR – Não são poucos os que estudam na Educação de Jovens e Adultos ofertada (EJA) na rede estadual de ensino. Dos 41.705 alunos matriculados na EJA, 3.300 têm 50 anos ou mais. Muitos deles concentrados em Curitiba e Região Metropolitana, onde, somados, chegam a 975 estudantes.
São mais de 280 instituições de ensino vinculadas à Secretaria Estadual da Educação do Paraná (Seed-PR) que ofertam a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Para quem deseja estudar a partir do Ensino Fundamental, a duração do curso é de dois anos, em média, e para para quem precisa terminar apenas o Ensino Médio, o período é de um ano e meio.
“Alguns alunos conseguem adiantar e terminar o curso em um ano, já que ele ocorre em módulos”, explica Solange Valente, diretora do Ceebja Paulo Freire. Ela diz que há um bom contingente de pessoas que já passaram dos 50 anos matriculadas e que a maior parte quer apenas realizar o sonho de ter um diploma. “Sou suspeita para falar, porque quando fico sabendo que nossos alunos não pararam e entraram numa universidade, é muito gratificante. Por isso, quando eles desanimam, a gente sempre procura incentivá-los a não desistir", comenta.
QUASE SETENTÃO – A palavra desistir nunca passou nem perto do vocabulário de Luiz Katsuaki Ueti, de 69 anos, também ex-aluno do Ceebja de Londrina, e candidato a uma vaga no curso de Jornalismo. “Mas se não for possível, pode ser no de Psicologia”, diz.
Após mais de 50 anos sem estudar, ele decidiu voltar na tentativa de minimizar a frustração por não ter chegado a concluir o Ensino Fundamental quando jovem. “Fui assistindo meus primos se formarem na faculdade, com boas oportunidades de trabalho. Somente eu fiquei no caminho”.
Entretanto, Luiz tinha dois projetos de vida, um para 2024, que era conseguir o diploma do Ensino Médio, e outro para 2025: ingressar no ensino superior. O primeiro, conseguiu no primeiro semestre e o Enem está sendo a porta de entrada para a futura concretização, mesmo diante das limitações de enfrentar a máquina de hemodiálise três vezes na semana.
“Se tivesse a idade e a mentalidade de pessoas jovens que foram fazer o Enem, eu diria que a prova do último domingo foi fácil. Mas depois de 52 anos afastado de uma sala de aula, achei um pouco difícil, pois as questões, na maioria, eram muito subjetivas”, resume. Ele acha que neste domingo (10) o “bicho vai pegar”, porque acredita que as matérias de exatas bem mais difíceis.
O incentivo das professoras e direção do Ceebja foi um combustível a mais para que ele se sentisse animado, mas quando encarou a prova do Enem, Luiz até passou a considerar o projeto de 2025 como “utopia”. “Se não der certo pelo Enem, vou atrás de uma bolsa em uma faculdade particular, já que o salário de aposentado não dá pra pagar uma mensalidade. Quero demais entrar na universidade. Não importa de que maneira”.
Enquanto isso, Judson, o futuro acadêmico de História, já faz planos para depois da formatura. “Penso em fazer uma pós-graduação e depois, um mestrado, afinal, conhecimento nunca é demais”, prevê.