São Paulo — Após ser condenado em segunda instância a 8 meses de prisão em regime aberto por um esquema de rachadinha, o promotor de Justiça Bezaliel Castro Alvarenga firmou um acordo de não persecução penal com o Ministério Público do Pará (MPPA) para se livrar da pena pagando multa.
O acordo foi homologado pelo Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) na última quarta-feira (20/3) e partiu de um pedido da defesa do promotor, que atua na comarca de Ananindeua, na região metropolitana de Belém.
Alvarenga foi afastado do cargo em 2018. No mesmo ano, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) determinou à Procuradoria-geral de Justiça que promovesse uma ação para que ele perdesse o cargo. Questionado, o procurador-geral de Justiça, Carlos Mattar, não respondeu se essa ação já foi movida.
Em um acordo de não persecução penal, o acusado topa ressarcir os cofres públicos em troca de não sofrer punições mais duras. A oferta desse tipo de acordo para condenados tem sido objeto de debate no Supremo Tribunal Federal (STF).
No caso de Alvarenga, tudo começou em 2018, quando uma servidora nomeada em seu gabinete relatou à Corregedoria do MPPA que, por três anos, ela foi obrigada a transferir mensalmente entre R$ 200 e R$ 1 mil para a conta da esposa do promotor.
As transferências foram comprovadas na quebra de sigilo dos envolvidos. Em diálogos aos quais o MPPA teve acesso, as cobranças ficaram mais claras.
“Bom dia, tudo bem com vocês? Como foi o Natal? Estamos nos preparando para viagem amanhã. Esse mês veio uma diferença no auxílio alimentação, de R$ 1,2 mil, muito bom”, disse Alvarenga.
A funcionária respondeu: “Bom dia, Dr, Boa viagem! Não precisa então mais dar aquele valor do meu salário que eu deposito na conta da Dra? É isso? Se for, eu lhe agradeço!”
Alvarenga, então, disse: “Você precisa depositar. É valor que te informei é que vem a mais para você esse mês! *esse valor*”.
Denúncia
O Ministério Público do Pará denunciou criminalmente o promotor em 2019. Em outubro do ano seguinte, o Tribunal de Justiça do Pará condenou o promotor. Em sua defesa, Alvarenga alegou que a funcionária do gabinete fazia serviços sociais junto com sua esposa e os repasses não passavam de doações.
Ele foi sentenciado pelo crime de concussão, atribuído a funcionários públicos que, no exercício do cargo, exigem vantagens indevidas. Na esfera civil, ele chegou a indenizar a servidora em R$ 15 mil, valor das transferências da funcionária.
Em um caso semelhante, o STF já firmou acordo de não persecução com o ex-senador e deputado Silas Câmara (Republicanos), que devolveu R$ 242 mil.
Em um julgamento da Segunda Turma, ministros da Corte decidiram a favor de acordos firmados com pessoas acusadas antes da existência da lei que prevê o acordo, datada de 2019. O plenário ainda vai firmar um entendimento sobre o assunto.
A promotora de Justiça Ana Maria Magalhães, que representou a Procuradoria-Geral de Justiça no caso de Alvarenga, ressalta que não foi o Ministério Público do Pará que não decidiu levar a ação adiante.
“O acordo foi um pedido da defesa do réu após várias decisões da 2ª Turma entendendo pelo cabimento do ANPP [acordo de não persecução penal] para casos iniciados antes de entrar em vigor o pacote anticrime, desde que não tenham trânsito em julgado”, afirma.
Ela diz que o acordo prevê a indenização da vítima e da sociedade, o que ele já havia feito, e cumpre outras exigências legais que, segundo a promotora, Alvarenga quitou. “Com esses fundamentos, foi reconhecido o direito desse réu ao ANPP. Não caberia ao Ministério Público negar um direito”, disse.
O assunto, no entanto, é controverso dentro do próprio Ministério Público em suas diversas instâncias. Antes da homologação pelo TJ do Pará, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou em um recurso de Alvarenga contra a possibilidade da firmação do acordo.
A subprocuradora-geral Maria Caetana Cintra Santos afirmou, em fevereiro, que a pretensão está em desacordo com o entendimento do STF, porque a denúncia já havia sido recebida e julgada.
Procurado pelo Metrópoles, o promotor Bezaliel Castro Alvarenga não retornou o contato até a publicação desta reportagem, O espaço segue aberto para manifestação.