A revista Science, uma das mais respeitadas do mundo, considerou o medicamento semaglutida, usado para tratar obesidade, como uma das grandes inovações recentes da ciência no ano passado. O remédio também passou a ser usado por pessoas que querem apenas perder uns quilos -- e no Brasil se tornou o medicamento que mais movimentou dinheiro nas farmácias.
Mas, afinal, por que essa canetinha é tão cobiçada e virou febre nas redes sociais?
Natacha, 29 anos, que mora em Tatuí, interior de São Paulo, nem termina de comer o pouco que tinha no prato.
"Eu mudei todo o meu hábito alimentar. Por conta do remédio eu não sinto mais a fome", diz a jovem.
O remédio que está ajudando Natacha a ter pouca vontade de comer é vendido em forma de uma caneta e é aplicado na barriga.
"Como um pedacinho de chocolate, já fico satisfeita, uma cervejinha também. Eu notei nas redes sociais algumas influenciadoras que também estavam perdendo peso com dieta, com academia, mas que era um período meio curto, então eu desconfiei que também fizessem o uso do medicamento", conta Natacha.
De tão febre que virou mundialmente, a farmacêutica que inventou essa canetinha desbancou a líder europeia e toda poderosa fabricante de bolsas e malas de viagem de luxo.
"A Novo Nordisk hoje é a empresa mais valiosa da Europa. Ela tirou o trono da Louis Vuitton. Vale 480 bilhões de dólares. O PIB da Dinamarca sem a indústria farmacêutica, teria sido menos 0,5% nos primeiros 9 meses de 2023 e o PIB cheio total foi 1,3% para cima, uma diferença muito grande", diz o Gustavo Campanhã, gestor de ações e sócio da WHG.
Origem do medicamento
O medicamento Semaglutida, que veio da Dinamarca, começou a ser vendido em 2019, no Brasil, para tratar diabetes tipo 2. Posteriormente, passou a ser utilizado pelos médicos também para tratar obesidade.
"A Semaglutida, assim como outros medicamentos da mesma classe, eles são semelhantes ao hormônio GLP1- que é um hormônio que a gente produz no intestino depois de uma refeição. Então ele vai no estômago, segura um pouco mais a comida lá, então isso dá uma sensação de saciedade", explica Maria Edna de Melo, endocrinologista do Hospital das Clínicas da USP.
Ainda de acordo com a médica, diferente dos medicamentos mais antigos, que agiam via serotonina e noradrenalina, o que poderia ter impacto também no humor e na frequência cardíaca.
Segundo Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso), esse medicamento novo consegue, pela primeira vez, perdas médias de peso acima de 15%, enquanto os mais antigos chegavam a 10%.
Custo elevado
No entanto, a acessibilidade a essa descoberta da ciência é limitada para algumas pessoas devido ao custo elevado. Uma caneta, vendida facilmente sem receita nas farmácias, custa em média R$ 1 mil. Tem pacientes que usam mais de uma por mês.
"Não existe uma previsão de redução de preço da medicação. Hoje, o que nós vivemos é uma situação de não conseguir entregar toda a medicação que o mercado demanda e isso não não é apenas no Brasil, mas no mundo todo", afirma Simone Tcherniakovsky, diretora da Novo Nordisk.
Projeções do aumento do uso
Um estudo de uma empresa global de serviço financeiro estimou que até 2035, 7% da população americana, que está entre as mais obesas do mundo, estarão usando a canetinha. Isso vai mudar significativamente o consumo.
Segundo projeções da pesquisa, essas pessoas vão comer bem menos alimentos com alto teor de açúcar e gordura. Uma das maiores redes de supermercados do mundo e dos Estados Unidos chegou a declarar, ano passado, que já estava percebendo essa mudança.
"Eles começaram a observar que teve uma redução no consumo de calorias desses consumidores. Só que eles estavam gastando mais com produtos saudáveis até pezinhos de academia, roupas de academia", afirma Gustavo Campanhã.
Alertas sobre o uso inadequado e os efeitos colaterais
Para muita gente que sofre de obesidade, uma doença crônica, os médicos prescrevem uso contínuo do remédio. Mas é comum hoje o uso temporário apenas para perder entre 2 e 3 quilos, por exemplo.
"Nas últimas semanas, eu não passo um único dia sem que uma paciente venha reportando que, depois do uso dessas medicações, notou como se fosse esse derretimento. Uma perda muito rápida de peso. Ele perde compartimentos de gordura tanto de corpo quanto de rosto. E a gordura, para nós, é um tecido importante de sustentação da pele. São queixas relacionadas à flacidez de pele", relata a dermatologista Maria Fernanda Guazzelli.
Numa academia em São Paulo, onde a mensalidade atinge quase R$ 2 mil, há diversos alunos que fazem uso do medicamento.
"Aproximadamente 6 a 7 alunos em cada 10 estão utilizando a caneta, especialmente durante o verão ou quer tomar para o Carnaval. Outros para um casamento, e até mesmo noivas expressam o desejo de estar magras. É importante para mim entender o que você está fazendo para entender. Já tive alunas que não comunicaram o uso e acabaram passando mal", diz o dono da academia.
O remédio é considerado seguro, mas não há estudos apontando os riscos em pessoas que querem perder pouco peso.
"Nessa pessoa que só quer perder alguns quilos, se parar de usar a medicação não vai conseguir manter, vai aumentar a fome, e vai acabar pensando em usar esse remédio a longo prazo. Cria uma dependência psicológica nesse sentido. Mas vamos deixar claro, não é uma dependência física. O remédio não causa dependência física, ", diz o endócrino Bruno.
Uso no Brasil e os riscos identificados pela Anvisa
No Brasil, em 2021, esse remédio foi o mais vendido, de acordo com a Associação de Indústria Farmacêutica de Pesquisa.
Recentemente, a Anvisa identificou lotes falsos da caneta semaglutida no mercado. Nas redes sociais, não faltam propagandas, inclusive de farmácias. Como muitas não exigem receita, algumas pessoas se automedicam e ainda ensina na internet, como turbinar as aplicações.
"Elas acabam utilizando muitas vezes de forma inadequada e levando ao aparecimento de efeitos colaterais mais intensos, como náusea, até vômitos", explica Maria Edna de Melo.
"Já tive uma paciente que quase não conseguia beber água devido aos efeitos decorrentes da automedicação em excesso", ressalta Maria Fernanda Guazzelli.